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Para manobrista, serviço caiu 70%; taxistas festejam

Quase 3 meses após início da lei seca, freqüentadores de bares inventam estratégias para continuar a beber

Por Luisa Alcalde
Atualização:

Quase três meses após a entrada em vigor da lei seca, o comportamento do paulistano que sai à noite está dividido. Por um lado, há os que deixaram de freqüentar bares. Segundo estimativa do Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de São Paulo (Sindibares), 40% dos clientes sumiram. Na quinta-feira retrasada, a maioria dos bares da Vila Olímpia e de Moema, na zona sul, e da Vila Madalena, na zona oeste, estava quase vazia. Por volta da 1h30 de sexta-feira, muitos já haviam fechado as portas ou atendiam os últimos clientes. Outro termômetro dessa queda são os números apresentados pela empresa de valets Villas Park. Antes da nova legislação, eles manobravam cerca de 300 carros por noite. "Hoje não passa de 90. Nosso serviço caiu 70%", afirma o gerente. Segundo ele, foram dispensados oito funcionários e uma garagem foi fechada. Mas há quem não tenha deixado de beber. Só que esse público tem preferido voltar para casa com motoristas contratados ou de táxi. "Há 45 dias não existe uma noite em que o movimento não seja melhor do que na anterior", comemora Luís Martins, sócio da Seu Jarbas, Personal Driver, que fornece motoristas para levar o automóvel de quem bebeu além da conta para casa. E existe ainda grande parte que simplesmente resolveu ignorar a lei seca, bebendo e dirigindo em seguida - ou inventando as mais diversas estratégias para fugir das blitze. Na quinta-feira retrasada, de sete amigos reunidos em uma mesa do Bar Genésio, na Vila Madalena, apenas um não estava bebendo. E todos disseram que iriam dirigindo para casa. "A gente se comunica pelo celular. Sempre tem alguém na noite que sabe onde não tem blitze", disse a designer gráfico Luísa Azevedo, de 23 anos. "O truque é evitar as grandes avenidas ou sair antes das 22 horas e voltar para casa às 6 horas, quando a polícia não está mais nas ruas", afirmou a estudante Ana Maria Costa, de 23 anos. Anderson de Aguiar, analista de segurança, de 25 anos, bebia em um bar na Vila Olímpia, na zona sul, com amigos. "Não parei de beber e dirigir. Agora eu bebo mais. Viro a noite bebendo e só vou para casa às 5 horas, quando não tem mais blitze." CONSCIENTIZAÇÃO Mesmo quem insiste em burlar a lei seca, dirigindo depois de beber, apóia a legislação em vigor desde 20 de junho. A justificativa está nas estatísticas: as mortes em acidentes de automóveis vêm diminuindo. Esse comportamento contraditório é visto com preocupação pelo professor da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Ari Refheld. "Cada vez mais o Estado tem restringido o comportamento dos cidadãos. Não pode fazer barulho, não pode beber, não pode fumar.... É o país do decreto. O que isso provoca? Freud já dizia que atrás de toda a proibição vem o desejo." "As pessoas reagem de acordo com as conseqüências. É quase um comportamento infantil. É como falar para a criança: ?não coloque o dedo na tomada?. Se a criança nunca reparou naquilo, ela vai ficar com um desejo enorme de colocar o dedo ali. Até que leva um choque e pára", compara o especialista. O que falta, segundo ele, é a construção da idéia de responsabilidade. "Só que não se consegue isso impondo tudo o tempo todo. E com punição. A população deveria ter sido consultada em um plebiscito. E não ter sido transformada em mera vítima. Aí sim se sentiria ouvida, introjetaria valores, ética e iria colaborar. É necessária uma campanha educativa. Dessa forma, o desejo de transgressão, não racional, não existiria, como tem acontecido, e essa lei teria grandes defensores", explica Refheld.

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