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Para técnico da Anac, norma que evitaria tragédia estava valendo

Autor do texto diz que ficou surpreso quando Denise Abreu afirmou, há 2 semanas, que ele não tinha validade

Por Luciana Nunes Leal
Atualização:

Brasília - A norma divulgada em 31 de janeiro no site da Agência Nacional de Aviação Civil proibia, sim, o pouso de aviões com o reverso (freio instalado na turbina) travado sob chuva no Aeroporto de Congonhas. E o responsável pelo texto ficou surpreso quando a ex-diretora da Anac Denise Abreu disse, há duas semanas, que a norma não estava em vigor. "A instrução foi para o site da Anac e eu achei que ela valia", disse ontem o gerente de Padrões de Avaliação de Aeronaves da agência, comandante Gilberto Schittini. Se as normas estivessem em vigor, o Airbus da TAM que se acidentou em 17 de julho, matando 199 pessoas, não poderia ter aterrissado em Congonhas. Ele pousou com o reverso direito travado, em virtude de um defeito apresentado três dias antes. Schittini não quis comentar o caso específico do Airbus. Na CPI do Apagão da Câmara, quinta-feira, Denise insistiu que a instrução autorizava pousos com um único reverso inoperante. Schittini contestou a versão: "Tem que ser feito com dois, três, quatro reversos, com quantos reversos a aeronave tiver." "O documento foi feito para técnicos e pilotos, não para advogado", afirmou Schittini. Denise, que renunciou ao cargo sexta-feira, é advogada. "No dia em que o documento tiver validade, ele restringirá o pouso (com reverso travado)", afirmou o comandante. Ele apontou o trecho da instrução que deixa clara a restrição. "Veja o item 5.2", recomendou. O trecho dá instruções para a engenharia de operações das empresas aéreas. O comandante leu o que considera inquestionável: "Preparar MEL (Lista de Equipamentos Mínimos) do operador (empresa aérea) apresentando a restrição para operação em pista molhada com antiskid (freio antiderrapagem) e/ou com reverso inoperante." Schittini explicou: "Aí está dito que há restrição para operação em pista molhada com reverso inoperante." O outro trecho que reforça a necessidade de uso pleno dos reversos é o que diz: "Após o toque, confirmar a abertura dos ground spoilers (freios instalado nas asas) e usar o máximo reverso assim que possível." Para Denise, a norma quer dizer máximo reverso "disponível." Mas o termo não consta do texto. O uso dos reversos em pistas molhadas divide opiniões. "O pouso com reverso inoperante em caso de chuva é seguro, sim. Caso contrário, jamais seria permitido", ponderou um comandante ouvido pelo Estado. "Agora, se quisessem mudar as regras, deveriam ter incluído no MEL. É a nossa Bíblia dentro da cabine." O nome técnico da norma é Instrução Suplementar (IS) RBHA 121-189. Ela começou a ser elaborada depois que, em 13 de dezembro, Schittini alertou para o risco de "ocorrências mais graves" durante pousos em Congonhas, "com ultrapassagem do final da pista (varar a pista)". A advertência consta da ata de uma reunião entre representantes de empresas e técnicos da Anac. Já durante o encontro, o comandante avisou às companhias que estava elaborando uma instrução "relativa às operações com pista molhada". "Fui claro, conciso, preciso", disse ele ontem. Apesar de se tratar de um estudo divulgado, segundo Denise, "por engano" no site da Anac, a IS foi anexada à documentação enviada à desembargadora federal Cecília Marcondes. Isso ocorreu em 22 de fevereiro, quando a Anac tentava a liberação da pista principal para pousos de grandes aviões. Cecília disse ter sido "enganada" pela Anac e o Ministério Público Federal investiga se Denise cometeu crime, por ter utilizado documento sem valor legal. "Até agora não está esclarecida a veracidade ou não desta norma. Se, na reunião do dia 13 de dezembro, ficou claro que havia esta avaliação (de risco de acidente), houve uma decisão de elaborar a norma. Queremos saber se, afinal, esta regra valia. E ouvir os participantes da reunião para montar este quebra-cabeça", disse o relator da CPI da Câmara, Marco Maia (PT-RS). A assessoria de Denise disse que temas como a IS devem ser tratados com a Anac. Até o fechamento desta edição, o Estado não conseguiu falar com o superintendente de Segurança Operacional, Tarcísio Santos, superior de Schittini. A TAM informou que a "proposta jamais foi convertida em norma e, portanto, não foi encaminhada e muito menos imposta à empresa."

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