PUBLICIDADE

Paulistanos dividem calçadas com lixo, degraus e ambulantes

Por Agencia Estado
Atualização:

Mais de 10 milhões de pessoas viajam a pé todos os dias na Grande São Paulo. São trajetos superiores a 500 metros, em geral repletos de obstáculos e riscos. O espaço dedicado a quem caminha recebe atenção ainda menor daquele dispensado a automóveis e ao transporte coletivo. As calçadas paulistanas são um exemplo de abandono, dominadas por buracos, lixo, degraus e ambulantes. Uma usurpação de espaço que muitas vezes obriga o pedestre a seguir pelas ruas, enfrentando perigo ainda maior na concorrência com veículos. Uma das conseqüências mais graves desse descaso é revelado pelas estatísticas hospitalares. Segundo levantamento realizado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), 19% dos acidentes de trânsito na cidade ocorrem nas calçadas. As vítimas são especialmente idosos, com fraturas de membros e outros ferimentos provocados por quedas, muito deles graves. Segundo a médica do Instituto de Ortopedia do FMUSP Julia Greve, responsável pela pesquisa, dos 548 acidentes de trânsito atendidos no Pronto-Socorro do HC durante o mês de julho de 2001, 102 ocorreram nas calçadas. "Uma das vítimas era um senhor, que teve traumatismo craniano e morreu, depois de tropeçar e bater com a cabeça na guia", diz. As dificuldade são ainda maiores para os deficientes, como o casal de cegos Fabrício Medeiros Cunha, de 17 anos, e Jaqueline Rocha, de 15, que na semana passada aventurou-se em uma caminhada pela Rua 25 de Março, uma das mais caóticas da cidade. Em 20 passos, tropeçaram dez vezes. Os quase dois metros de largura do passeio são quase totalmente tomados pelos camelôs. "Difícil é pouco. Andar aqui é quase impossível", desabafou Cunha."O pior é que alguns camelôs não percebem que somos cegos e ainda reclamam quando esbarramos nas barracas", diz Jaqueline. Perto dali, na Ladeira Porto Geral, a dona de casa Maria das Dores, de 35 anos, enfrentava drama parecido. Mãe de Fernanda Alves, de 6 anos, que é paraplégica, ela tentava, em vão, circular com a cadeira de rodas. Vencida pelas bancas e desníveis, acabou empurrada para o meio-fio e por pouco não foi atropelada. "É absurdo deixarem as calçadas desse jeito." De acordo com a legislação municipal, as calçadas são responsabilidade do proprietário ou locatário do imóvel situado no trecho correspondente. Cabe ao governo a fiscalização de irregularidades. A largura do passeio varia conforme o tamanho da rua, mas nunca pode ser inferior a 90 centímetros. Já os materiais utilizados devem ser concreto ou mosaico e ladrilho hidráulico sobre concreto. Os degraus são vetados e o rebaixamento para veículos só pode ser feito pela Prefeitura. O descumprimento das exigências redunda em multa, mas o problema é que não há fiscais suficientes. "Temos apenas 300 fiscais", diz o engenheiro da Secretaria das Subprefeituras Francisco Janarelli. "Houve um concurso no fim de 2002 e neste ano deveremos chamar 700 fiscais, além de contarmos com a ajuda do Tigrão", diz, referindo-se ao veículo dotado de câmeras, que inicialmente deveria detectar apenas anúncios publicitários irregulares. A arquiteta e integrante da Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) do Município Silvana Cambiaghi, que se locomove com o auxílio de cadeira de rodas, defende participação maior da população para melhorar a circulação. "Ao construir uma calçada, as pessoas deveriam pensar não em obter vantagens pessoais." Entre os trabalhos orientados pela CPA, Silvana citou o rebaixamento de 4 mil pontos de guias nos trechos de travessia. "Usamos um piso especial, com relevo e cores contrastantes, que permite ao deficiente visual detectar o início do trecho de declive." Para o presidente da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe), Eduardo José Daros, a qualidade das calçadas é fruto do descaso das autoridades. "O poder público só se preocupa com o transporte viário." Na Rua Cônego Araujo Marcondes, na Casa Verde, as queixas dizem respeito ao tamanho da calçada. Pouco mais de 50 centímetros, permeados por mato e postes. Um passeio quase inútil, que obriga os transeuntes a andarem a maior parte do tempo no meio-fio. "Essa calçada é um absurdo. Cheia de mato, ferro, bueiro, e ninguém toma providências", reclamou o farmacêutico Alexandre Deuzete Santos, pouco depois de desviar de um poste. São cenas comuns, que deixam indignado o urbanista Candido Malta. "O tratamento dado às calçadas demonstra uma total falta de respeito com os munícipes", sentencia. "A cidade sempre teve normas, mas elas vêm sendo desobedecidas sistematicamente há 20 anos." Ele estima que mais de 80% das calçadas tenham problemas. As calçadas também estão em pauta na Câmara, onde há vários projetos sobre o tema. Um deles, do vereador Nabil Bonduki (PT), propõe que as distribuidoras de energia enterrem a fiação, eliminando os postes dos passeios. "Eles teriam prazo de 15 anos para concluir a reforma e ficariam isentos da taxa de uso do espaço público." Outro projeto, do vereador Ricardo Montoro (PSDB), estipula a inclusão da calçada na planta de construção aprovada pela Prefeitura. "O responsável se comprometeria a executar uma calçada totalmente de acordo com a legislação", explicou Montoro, que apontou problemas também na iluminação. "Os postes são direcionados para as ruas. Um erro, pois os carros já têm faróis. Na verdade deveriam iluminar as calçadas."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.