PCC divulga manifesto, por celular, do Carandiru

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Por Agencia Estado
Atualização:

O Primeiro Comando da Capital (PCC), organização de presos responsável pelas rebeliões ocorridas em 29 penitenciárias do Estado de São Paulo no final da semana passada, divulgou hoje um longo manifesto que detalha o que eles chamam de "as verdadeiras razões" dos levantes. O manifesto é encerrado com uma das frases mais conhecidas do líder cubano Ernesto "Che" Guevara: "Hay que ser duro, pero sin perder la ternura". Ele foi transmitido por telefone celular, por um preso que falou de dentro da Casa de Detenção de São Paulo, para um grupo de apenas seis jornalistas escolhidos por dirigentes do PCC. O manifesto é dirigido "à população, aos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo" e fala em nome "dos presos do complexo do Carandiru". Os autores dizem que decidiram fazer "este primeiro manifesto à sociedade (...) diante da desgraça que ocorreu na semana passada". "Por falta de democracia que supostamente rege o país é que aconteceu o que aconteceu", diz o manifesto. O texto argumenta que as rebeliões são apenas uma tentativa de forçar as autoridades ao diálogo e ao cumprimento da lei. "Tudo se trata de cumprimento da lei. É fácil dizer: ponham o ladrão na cadeia e pronto. Mas a Lei de Execuções Penais brasileira, que é uma lei quase perfeita, não é cumprida nos presídios", afirma o manifesto. Fora da Lei O manifesto cita parágrafos e artigos da Lei de Execuções Penais e reafirma várias vezes que ela é "totalmente desrespeitada" no país. Um longo trecho é dedicado à questão da reintegração do preso na sociedade. Afirma que o preso vive nas celas sem acesso à nada, sem condições de aprender ou sem qualquer possibilidade de reintegração na sociedade. "A lei prevê a reintegração do preso, mas quem vai dar emprego para o detento que acaba de sair da penitenciária? O agente fiscal também tem a obrigação de assistir ao egresso, de ajudá-lo a conseguir emprego e acompanhá-lo na reintegração. Mas isso nunca acontece", afirma. "Agora perguntamos, senhores, governantes, por que ninguém faz nada a este respeito?" O texto afirma que "é por isso que o índice de reincidência no crime é muito grande". A certa altura, sugere que jornalistas e comentaristas "mal informados" leiam obras "dos mestres" Júlio Fabrini Mirabeli e Renê Ariel Dotti. "Jornalistas, comentaristas, deveriam ler antes estas obras literárias para depois abrirem suas bocas para dizerem certas coisas", afirma. Um parágrafo especial é dedicado ao Artigo 81 do Código de Execuções Penais, que regulamenta os conselhos penitenciários. "A lei determina que estes conselheiros teriam que visitar e abrir diálogos com os presos. Entrevistar presos e apresentar relatórios mensais sobre a situação", diz. Mas alguma coisa destas é cumprida? Nada", acusa. O manifesto argumenta que os presos estão atrás das grades por "não terem cumprido a lei" e pergunta: "Quem comete crime é quem não cumpre a lei, certo? , e estas autoridades que não cumprem a lei? Também são criminosos?" Diálogo "Não se trata de negociação, mas de diálogo", diz o manifesto. O texto afirma que ninguém quer que as autoridades façam corpo mole, mas que "simplesmente cumpram as leis existentes, preocupando-se com a ressocialização dos condenados, que deveria ser uma das prioridades". A certa altura, o manifesto elogia o trabalho do secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furokawa, pelo trabalho que desenvolveu nos presídios de Bragança Paulista e Atibaia. "Estranho é vê-lo agora a dizer coisas que não condizem com o seu modo de pensar", diz o manifesto, e ataca: "Nós sabemos que a situação é causada pela a intransigência e inexperiência do governador em exercício e do secretário da Segurança Pública". A única crítica direta que o manifesto faz é à direção da Penitenciária de Taubaté. "Não é possível que deixem as pessoas avessas às próprias diretrizes do Centro de Readaptação Penitenciária, que de readaptação não tem nada", afirma. Eles pedem a destituição da diretoria da Penitenciária de Taubaté, acusada de querer "descontar nos presos tudo o que se passa na sociedade". "Porque não destituir aquela direção se já fizeram isso em várias outras penitenciárias? Se isso não foi feito, vai ocorrer uma verdadeira guerra", afirma. Frase de efeito Antes de fechar com a frase de efeito de Ernesto Guevara, o manifesto faz um apelo. "O que queremos, autoridades, é o diálogo. Diálogo ordeiro, franco e produtivo. Afinal estamos numa democracia ou não? Queremos um diálogo com as autoridades da área e com representantes do Ministério Público das Execuções. Um diálogo calmo e sem pressa, para que possamos falar sobre as coisas que acontecem nas penitenciárias e as coisas que deveriam acontecer mas não acontecem". Os autores do texto, por fim, prometem "oportunamente" publicar reportagens, "de uma maneira nunca antes divulgada", para que toda sociedade tome conhecimento, "ao vivo e em cores e documentadamente" de tudo o que se passa no Executivo, no Legislativo e no Judiciário em relação à lei de execuções penais. "Por fim, pedimos a Deus e as autoridades que lerem isso, e à própria OAB, que decidam não ´negociar´ e sim ´dialogar´ com os presos", conclui.

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