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Pedala, Teresa!

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É lamentável que o maior engarrafamento da história de São Paulo, o maior de todos os tempos desde os jesuítas, O Grande Engarrafamento de Quarta-feira Passada, tenha batido o recorde registrando 293 quilômetros de filas. É lamentável porque ficou no ar, em toda a cidade, aquela sensação de derrota: puxa, mais sete quilômetros e teríamos alcançado os 300... Desde aquele dia, na véspera do feriadão, o paulistano sente-se humilhado. Tudo o que posso dizer a ele é: juntos chegaremos lá! Mas não devemos contar com a Teresa. Teresa d?Aprile tem 60 anos. Separou-se aos 37 e, obedecendo àquela máxima de ou casa ou compra uma bicicleta, adquiriu uma Caloi Ceci. Ela queria mudar de vida - e começou desse jeito, "não me pergunte o por quê". Teresa foi "criada para casar, o pai não deixava trabalhar, não podia sair sozinha com o namorado, então casei para poder ficar independente - mas já queria me separar na lua de mel". Levou 12 anos, durante os quais teve um filho - hoje um engenheiro civil que vive com ela e não gosta de andar de bicicleta. Por fim estabelecida a troca do marido pela Caloi Ceci, Teresa "pirou na coisa da bike", tendo inclusive começado a namorar um ciclista profissional e descolado um emprego numa bicicletaria. Nessa época, começo dos anos 90, não era tão comum uma quase senhora pedalar no trânsito de São Paulo como se bicicleta fosse meio de transporte. Cansada das reprimendas, ela partiu para o contra-ataque: em 1992, reuniu algumas mulheres para pedalar na noite de São Paulo. A ideia já nasceu com título - Saia na Noite, um dos primeiros entre dezenas de grupos de "night bikers" da cidade. O Saia na Noite concentra-se todas as terças-feiras, às 9h da noite, em frente à doceria Ofner da Avenida 9 de Julho. De lá, cerca de 20 mulheres entre 20 e 40 anos (à exceção da Teresa) pedalam aproximadamente 30 quilômetros, tomando de volta o espaço público privatizado pelo automóvel. A cada terça-feira, Teresa descobre uma nova cidade, com "caminhos alternativos, pequenas vilas de casas, novas praças, a velha arquitetura dos prédios antigos". Na semana passada, organizou um passeio especial para celebrar o Dia dos Namorados. Um post no blog do grupo anunciava um "trajeto-surpresa" e convocava a mulherada a rebocar seus cônjuges: "Tragam seus maridos, namorados, rolos, casos, cachos, noivos". Onde mais, senão numa cidade bem grande, Teresa poderia reunir tanta gente para percorrer por tantos anos um trajeto sempre inédito? É por isso que ela não vai embora de São Paulo, apesar de seus 293 quilômetros de engarrafamento. Aliás, a Teresa vai achar ótimo quando chegarmos enfim aos 300. É muito mais seguro andar de bicicleta quando todos os carros estão parados.

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