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Perda de espaço motiva ataques do tráfico, dizem analistas

Unidades de Polícia Pacificadora avançam em locais antes dominados por criminosos no Rio de Janeiro

Por Júlia Dias Carneiro
Atualização:

RIO - A progressiva perda de espaços antes dominados pelo tráfico causada pelo avanço das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) é vista por analistas como uma das principais desencadeadoras da onda de ataques no Rio.

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Para o sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gláucio Soares, a instalação de UPPs resultou "numa redução considerável de renda" pelos traficantes, e na perda de um domínio territorial que já somava décadas. Segundo Soares, uma das origens históricas para o controle do tráfico sobre comunidades carentes remonta aos mandatos do ex-governador Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994). "A política brizolista de que polícia não sobe morro foi desastrosa, porque deu tempo para esses grupos saírem de suas bocas de fumo e estabelecerem um domínio territorial. As UPPs acabaram com esse domínio", aponta. Além das UPPs, o sociólogo David Morais, da Universidade Cândido Mendes, diz que o surgimento das milícias - outra forma de poder paralelo nos morros, ligadas a policiais ou ex-policiais corruptos - também contribuiu para encolher ainda mais os espaços de que antes desfrutavam os traficantes. "O monopólio territorial do tráfico começa a cair com o surgimento das UPPs, e paralelamente você tem as milícias, que começam a concorrer nas mesmas atividades. Então os traficantes têm que buscar outros lugares para continuar suas atividades ilícitas", explica. Morais afirma que descer para o asfalto não é a alternativa automática. "Nas favelas, o crime é muito mais fácil, porque não faltam vias de fuga que viaturas não podem acessar". Motivação política. O antropólogo Rubem César Fernandes, da ONG Viva Rio, vê motivação política por trás dos ataques, lembrando que estamos num momento de transição entre um mandato político e outro. A situação lembra a virada de 2006 para 2007, quando uma série de ataques - incluindo ônibus queimados e policiais mortos - foi realizada antes da posse do governador Sérgio Cabral. "Por um lado, as ações parecem ser intervenções para influenciar nessa mudança. O que está diferente, entretanto, é que elas parecem ser mais coordenadas que das outras vezes, e os métodos adotados mudaram. Está havendo uma articulação territorial muito ampla, e as ações são rápidas, sem deixar vítimas", diz Fernandes. "Estão queimando para a fotografia, para provocar uma imagem na opinião pública." O que também mudou desta vez, aponta Fernandes, é que pela primeira vez há um ânimo na sociedade acompanhando o governo nas reconquistas dos territórios. "Com as UPPs, criou-se um horizonte. E a resposta está vindo mais forte do que os traficantes imaginaram", diz Fernandes, citando a articulação veloz entre o governo do Estado e Marinha para o uso de veículos blindados na operação realizada quinta-feira. "Acho que o feitiço virou contra o feiticeiro", afirma, torcendo paraque o momento represente "a virada de mais uma página importante na conquista dos territórios". Entrosamento com a comunidade. Para Gláucio Soares, o entrosamento das polícias pacificadoras com as comunidades prejudicou ainda mais o crime. "Nas favelas liberadas, a população tem mostrado uma grande aprovação. Isso transforma o traficante numa figura indesejada", diz ele. Exemplo para tal é o aumento de ligações feitas ao Disque Denúncia. "Antes, as pessoas não denunciavam por medo de represália. Agora, aumentou a apreensão de drogas, armas e a prisão de traficantes com base em denúncias", diz Soares. De acordo com o sociólogo, o que difere este momento de outras escaladas de violência no passado é a relação com as UPPs. Ele ressalta, entretanto, que os eventos ocorridos não são novidade. "É preciso não perder a memória. De 2000 a 2009, 822 ônibus foram queimados e depredados por bandidos no Rio", diz, citando dados da federação de transportes do Estado. Já David Morais considera que há outro diferencial: a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. "O Rio vai se transformar num foco de atenção em função desses dois grandes eventos, que vão atrair muito investimento e muito turismo, mas qualquer coisinha que acontecer aqui virar um 'oba-oba' para a mídia", diz.

 

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