Perícia dos EUA culpa controle de vôo do País

Agência diz que autorização errada colocou os aviões em rota de colisão

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Por Bruno Tavares
Atualização:

A Agência Nacional de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos (NTSB, na sigla em inglês), órgão parceiro da Aeronáutica na investigação do acidente entre o jato Legacy e o Boeing 737-800 da Gol, culpa o sistema de controle do espaço aéreo brasileiro pela tragédia que deixou 154 mortos em 29 de setembro de 2006. Enquanto o relatório final do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) divulgado ontem à tarde distribui por igual as responsabilidades entre os pilotos do jato e os controladores de vôo, os peritos americanos são taxativos: a colisão foi provocada por uma autorização de vôo equivocada, que colocou as duas aeronaves em direções opostas e na mesma altitude e aerovia. A leitura da NTSB é semelhante à do juiz federal de Sinop (MT), Murilo Mendes, que anteontem absolveu sumariamente dois controladores de Brasília e os pilotos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino da acusação de negligência por não adotarem os procedimentos de emergência em caso de perda de comunicação. Tanto os peritos estrangeiros quanto o magistrado entendem que o acidente começou a se desenhar na autorização de vôo transmitida pelo sargento João Batista da Silva, da torre de controle do Aeroporto de São José dos Campos, no interior paulista, de onde partiu o Legacy. Poupado na denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no ano passado, o militar terá sua conduta reavaliada agora pela Procuradoria-Geral da República - por determinação de Mendes. No diálogo, o militar deu permissão para que Lepore e Paladino voassem a 37 mil pés até "Eduardo Gomes" (Aeroporto de Manaus), sem especificar as mudanças de altitude ao longo do percurso. "A perda efetiva do controle do tráfego aéreo não foi resultado de um único erro, mas uma combinação de diversos fatores individuais e institucionais, que refletem deficiências sistêmicas ao se enfatizar concepções dogmáticas de controle de tráfego aéreo", escreveu a NTSB. Os investigadores americanos destacaram ainda dois "fatores contribuintes" para o acidente: a inoperância do sistema anticolisão (TCAS, na sigla em inglês), resultado do desligamento involuntário do transponder do Legacy, e a comunicação inadequada entre os controladores e a tripulação do jato. Dos 16 "vereditos" elencados pela NTSB em seu parecer, são mencionados nove erros ou falhas dos controladores (praticamente as mesmas apontadas pelo Cenipa), três dos pilotos americanos (sobretudo a demora em reconhecer a existência de falha de comunicação), dois do software X-4000 de controle do tráfego aéreo (as mudanças automáticas de altitude, que podem induzir controladores a erro) e um do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Para os peritos americanos, o braço da Aeronáutica responsável por vigiar e gerenciar o espaço aéreo brasileiro "não forneceu treinamento e supervisão adequados aos controladores para que desenvolvessem as habilidades adequadas para esse tipo de situação". Também dizem não haver evidências de que o plano de vôo - ou o tempo gasto pelos pilotos do Legacy para estudá-lo - tenha relação direta com a tragédia, ao contrário do que afirma o relatório final do Cenipa. CRÍTICA O comentário da NTSB faz uma crítica velada ao relatório do Cenipa. Num trecho, está dito: "Apesar de o corpo do relatório admitir deficiências com o controle de tráfego aéreo, essas deficiências não estão suficientemente apoiadas em análises ou reflexões nas conclusões ou nas causas do acidente." Esses problemas, prosseguem os peritos, incluem um lapso de tempo entre a ação dos controladores e a perda de comunicação com o Legacy, além de características do software X-4000 que podem ter sido agravadas pela autorização de vôo equivocada transmitida aos pilotos do jato pelo controlador de São José. As divergências entre os investigadores do Cenipa e da NTSB surgiram na fase final de confecção do relatório. Militares ouvidos pelo Estado dizem que elas são resultado dos diferentes conceitos adotados pelas duas entidades. Enquanto a Aeronáutica tem como objetivo número 1 a prevenção de novas tragédias, os americanos tendem a focar na "causa raiz" dos acidentes aéreos. Ainda assim, o Cenipa não pode descartar esses comentários. A Organização de Aviação Civil Internacional (Icao, na sigla em inglês) determina que as investigações sobre acidentes aeronáuticos sejam feitas em conjunto. Antes da divulgação oficial do relatório, o texto deve obrigatoriamente ser submetido a "representantes acreditados", para que eles façam comentários, críticas ou observações sobre o trabalho. Algumas vezes, esses apontamentos são inseridos no próprio texto final. Em outras, eles são "desconsiderados", mas o conteúdo do documento é anexado integralmente como um "apêndice" do relatório final - o que ocorreu na investigação da tragédia do 1907. RECOMENDAÇÕES DO CENIPA Algumas das principais recomendações de segurança feitas pelo Cenipa para o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), para a empresa ExcelAire, proprietária do jato Legacy, para a Anac, para a Embraer, para a Organização Internacional da Aviação Civil (Oaci) e para a FAA, autoridade máxima da aviação americana: Para o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) Instruir os controladores de tráfego aéreo, no que diz respeito ao cumprimento das autorizações de tráfego aéreo a serem transmitidas aos pilotos Assegurar o nível de proficiência na língua inglesa de todos os controladores Implementar nova apresentação (sistema efetivo de alerta) da informação de perda do modo "C" do transponder nos consoles radar, nos softwares em uso, de forma a incrementar a consciência situacional dos controladores. Para a empresa ExcelAire (proprietária do jato Legacy) Reavaliar os critérios de seleção e de escolha de tripulantes para execução de vôos de recebimento de aeronaves, nos Estados Unidos e no exterior, priorizando o adequado conhecimento técnico-operacional e a experiência no equipamento, bem como o conhecimento das regras de vôo vigentes. Reavaliar os critérios de treinamento operacional dos pilotos que executam vôos para fora dos Estados Unidos, sobretudo em espaço aéreo regido pelas normas da Icao, no tocante à preparação, planejamento e execução do vôo, a fim de manter a adequada consciência situacional em todas as fases da operação Para a Anac Assegurar a conformidade das habilitações dos pilotos de empresas adquirentes, no processo de entrega e recebimento de aeronaves Assegurar o cumprimento dos protocolos de convalidação das licenças e habilitações dos pilotos de empresas adquirentes, de acordo com as necessidades legais vigentes no País Para a Embraer Revisar as normas operacionais internas para os vôos de demonstração de produto, à luz da legislação vigente no Brasil, no tocante à composição de tripulação Para a Icao (Organização Internacional da Aviação Civil) Revisar as provisões contidas nos documentos da Icao que tratam dos procedimentos de falha de comunicação com o objetivo de tornar claro o entendimento dessa situação por parte de pilotos e controladores e de harmonizar os procedimentos em todas as regiões do mundo Para a FAA Avaliar a normalização existente a fim de verificar se os requisitos previstos de treinamento para vôos internacionais em operações, especialmente em jatos de alta performance, podem ser melhorados, a fim de elevar os níveis mínimos de segurança atualmente exigidos pela legislação em vigor

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