Plano de Uê para matar Beira-Mar pode ter sido a causa do motim em Bangu

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Por Agencia Estado
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Um plano do traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, para matar Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e seus cúmplices mais próximos pode ter sido a causa do motim de quarta-feira no presídio Bangu 1, no qual Uê e três comparsas foram assassinados. Segundo a Polícia Civil, Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, traiu Uê, com quem dividia o controle da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA), e alertou Beira-Mar. Essa seria a razão para o criminoso ter sido poupado da chacina sem um arranhão. Nenhum integrante da facção Terceiro Comando foi incomodado. A rebelião - que durou 23 horas e acabou às 7h de ontem, com quatro mortos e um ferido - marca o fim de uma era no tráfico do Rio de Janeiro. O assassinato de Uê e de seus cunhados Carlos Alberto da Costa, o Robertinho do Adeus, e Wanderlei Soares, o Orelha, além de Elpídio Rodrigues Sabino, o Robô, líderes da ADA, provocou uma fusão forçada da facção - agora chefiada por Celsinho - com o Comando Vermelho, sob a liderança de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Depois dos tiros, os presos lançaram colchões em chamas sobre Uê, cujo corpo ficou completamente carbonizado, segundo policiais civis que o viram. Dado como morto até hoje, Marcelo Lucas da Silva, o Café, levou uma facada no braço direito, mas sobreviveu ao ataque. Os oito reféns - seis agentes penitenciários e dois operários que trabalhavam em obra no presídio - passaram todo o tempo algemados a grades, na entrada da galeria principal, com bujões de gás e bombas caseiras ao redor, mas não foram feridos. Eles disseram ter sido "bem tratados" - dentro das possibilidades - pelos rebelados. Após quase um dia de tensão, um deles foi embora para casa de bicicleta. Uma bandeira vermelha hasteada em uma torre de vigilância pelos presos ontem, simbolizando o domínio do local, foi substituída por uma do Estado do Rio de janeiro. "O Terceiro Comando virou purpurina. O Celsinho agora é Comando Vermelho. ADA e CV são um só. Vai ter paz no Rio", disse um preso a jornalistas, por uma fresta no muro do presídio, uma hora depois da rendição. Os 30 condenados estavam reunidos no pátio, enquanto a polícia fazia a perícia nos corpos dos mortos e vistoriava as celas em busca de armas. Uma comissão composta por quatro delegados - entre os quais Marcelo Ambrosio (Delegacia de Capturas), Cláudio Góis (Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Automóveis) - assumiu o controle das negociações na noite de ontem e já havia obtido dos líderes rebelados a garantia de que se entregariam no início da manhã. Os presos temiam ser mortos ou sofrer violência caso se entregassem à noite. Os presos descarregaram e depuseram as armas e saíram, sem camisa, com as mãos para cima. Quatro pistolas, uma escopeta e seis telefones celulares foram apreendidos com os criminosos. Não houve nenhuma resistência, apenas o acerto final das condições de rendição, o que durou cerca de cinco minutos. Beira-Mar - que usava um boné azul com o escudo da Confederação Brasileira de Futebol, bermuda preta, meias e sandálias escuras - comandou as negociações com a polícia. O primeiro a sair foi o traficante Renato Souza de Paula, o Ratinho, acusado de integrar o bando do traficante Elias Maluco, apontado como o comandante da execução do repórter da TV Globo Tim Lopes. Em seguida, vieram os outros, que foram revistados um a um e mantidos no pátio por pelo menos três horas. O presídio ficou "parcialmente destruído", segundo policiais que entraram nas galerias. O motim começou às 8h30 de ontem, quando dois agentes foram dominados por presos. Os rebelados tomaram as chaves dos funcionários e entraram nas galerias dos rivais, com a intenção de assassiná-los. Celulares Apesar do clima de tensão durante as negociações para o fim da rebelião em Bangu 1, parentes de presos que aguardavam informações a 50 metros do portão de ferro da penitenciária não tiveram dificuldade de saber o que ocorria lá dentro na noite de ontem. Por meio de telefones celulares e aparelhos Nextel, familiares conversavam livremente com os presos. A única preocupação era quanto à possibilidade de invasão da galeria por policiais dos Batalhões de Choque e de Operações Especiais da Polícia Militar, que já haviam recebido ordem da governadora Benedita da Silva (PT) para acabar com o motim e estavam prontos para agir. "A Benedita manda invadir porque não tem um filho lá dentro. Isso aqui vai acabar virando um Carandiru", disse uma mãe, apreensiva, imaginando um massacre. Nesse momento, os reféns estavam presos a um portão de ferro, ao lado de botijões de gás, fogareiros e garrafas de álcool. Dos 46 presos da unidade, quatro já tinham sido assassinados pelo bando de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Um delegado que participou das negociações disse à Agência Estado que os policiais não invadiram "para preservar vidas". Reunido em volta de uma fogueira na frente de Bangu 1, um grupo de pessoas comentava com ar de alívio a informação de que Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, estava vivo. No entanto, após a ordem de invasão, viveram momentos de tensão. "Eles vão aproveitar para fazer a limpa. Depois, é só falar que foi troca de tiros." A movimentação de advogados, policiais, detetives, delegados, agentes penitenciários, bombeiros e médicos era intensa. Cerca de 50 parentes de presos conseguiram furar o bloqueio na porta do Complexo Penitenciário e acompanhar as negociações perto de Bangu 1, que fica a cerca de um quilômetro da entrada. A única restrição foi um cordão de isolamento formado por homens do Batalhão de Choque que manteve os parentes a 50 metros do portão da penitenciária. Quando dois reféns foram libertados, por volta de 18h30, houve aplausos. As pessoas que conseguiam se comunicar com presos rapidamente passavam as informações da situação dentro do presídio para os parentes. Os grupos, no entanto, não se misturavam. O advogado Henrique Machado, que tem entre seus clientes presos de Bangu 1 como Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, e Ricardo Fu, não vê como crime o uso de telefones celulares por detentos. "Não vejo o mínimo problema em falar com a mulher, com parentes. Crime não é falar, é o que ele (o preso) fala, é conversar sobre coisas criminosas", disse Machado, que defende a instalação de telefones públicos em Bangu para "acabar com a máfia da entrada de celulares". "Tem repórter que fala com preso, isso é crime? Quando viaja, você não sente falta e liga para o seu filho? É a mesma coisa. O preso tem direito a contato externo, que é um elemento pacificador. Vamos parar de hipocrisia". Paralisação Localizado em frente à 21ª Delegacia Policial e ao lado de um grupamento da Guarda Municipal, o Centro Universitário da Cidade, na Avenida dos Democráticos, em Bonsucesso, não abriu as portas hoje. Um cartaz na porta da escola anunciava: "Por precaução, não haverá aula." A ordem veio de traficantes de drogas, que mais uma vez determinaram o fechamento de lojas e escolas em vários pontos da cidade, em sinal de luto pela morte do criminoso Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, assassinado durante a rebelião ocorrida em Bangu 1. Na Avenida Uranos, no mesmo bairro, um supermercado, o Mundial, fechou as portas. Em Vicente de Carvalho, também na zona norte, algumas lojas e até bancos não funcionaram. Na escola Olga Benário, em Bonsucesso, 1,8 mil estudantes ficaram sem aulas. O clima também era tenso no morro do Quitungo, onde traficantes ordenaram que comerciantes não trabalhassem. O vice-presidente da Associação Comercial do Rio, Walter Machado, disse que pretende se reunir com autoridades da área de segurança para propor medidas e cobrar soluções. Ele reclamou do fato de o comércio ter sido obrigado a não funcionar em nove bairros da cidade, em conseqüência do motim, e afirmou que as autoridades deveriam ter tomado "medidas dráticas". Segundo Machado, o prejuízo desses comerciantes chegou a 70%, em média. Ele afirmou que o comércio do Rio tem sofrido muitas represálias e a situação "está insuportável". Na próxima semana, a associação pretende se reunir com associações de bairros para discutir o problema e, em seguida, apresentar os principais pontos para as autoridades. Leia mais sobre a rebelião e o tráfico no Rio de Janeiro:Beira-Mar, primeiro brasileiro na lista negra dos EUABangu 1 tem 14 anos, 48 celas e muitas personalidadesDe Segurança máxima, prisão só tem o nomeQuem era UêO mapa do tráfico no Rio

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