Polícia indicia 14 ''highlanders''

Investigações atribuem pelo menos 3 homicídios a PMs do 37º Batalhão

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Por Redação
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A cabeça decapitada, as mãos decepadas e um corte na barriga em forma de cruz. Os sinais de violência no corpo de Antônio Carlos da Silva Alves, de 31 anos, portador de deficiência mental, eram muito semelhantes aos de outras quatro vítimas de homicídio encontradas entre abril e outubro de 2008 em cidades fronteiriças a bairros do extremo sul de São Paulo. Embora as investigações ainda estejam em andamento, a Polícia Civil já não tem mais dúvidas de que pelos menos três dessas mortes foram cometidas pelos ?highlanders? - grupo de extermínio formado por homens do 37º Batalhão da PM. Catorze policiais foram indiciados por envolvimento nos crimes e estão presos no Presídio Militar Romão Gomes. O relatório de 63 páginas, produzido pelo Setor de Homicídios da Delegacia Seccional de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, esmiuçou métodos usados pelos matadores (o apelido ?highlanders? é uma alusão ao filme estrelado por Christopher Lambert e Sean Connery na década de 80, em que guerreiros cortavam a cabeça de seus inimigos). Os PMs do 37º Batalhão agiam como um esquadrão da morte: após capturarem as vítimas - a maioria em ações policiais de rotina -, eles as decapitavam para dificultar a identificação. A suspeita é de que um machado apreendido na loja de conveniência Rota 47, vizinha à sede do 37º Batalhão, no Capão Redondo, zona sul, tenha sido usado. O dono do estabelecimento, Antonio Auciel Teixeira Oliveira, de 28 anos, teve a prisão temporária decretada pela Justiça. Era na loja dele que, segundo a polícia, os ?highlanders? se reuniam para traçar seus planos. No local, investigadores localizaram um punhal, uma faca, uma garrucha e uma motosserra. Depois das execuções, os corpos das vítimas eram sempre deixados na Avenida Soldado PM Gilberto Augustinho. "Talvez como forma de prestar homenagem ao policial que dá nome ao logradouro", diz um trecho do relatório na página 3. O delegado Pedro Arnaldo Buk Forli indiciou nove PMs pela morte de Alves. São o subtenente Adilson Moreira de Souza, os sargentos Moisés Alves Santos e Rocisnaldo Cegatte, o cabo Joaquim Aleixo Neto, os soldados Anderson dos Santos Sales, Rodolfo da Silva Vieira, Adilson Santos de Andrade, Reinaldo de Andrade Dantas e Marcos Aurélio Pereira Lima. Os acusados pelo duplo homicídio de Roberth Sandro Campos Gomes e Roberto Aparecido Ferreira são os soldados Rodolfo, Lima, Ronaldo dos Reis Santos, Jonas Santos Bento e João Bernardo da Silva, além dos sargento Jorge Kazuo Takiguti e Ailton Rodrigues Machado. Os soldados Rodolfo e Lima foram os únicos indiciados tanto pelo duplo homicídio quanto pelo assassinato do portador de deficiência mental. Tudo indica que os ?highlanders? seguiam uma cadeia de comando. O soldado Rodolfo é considerado o líder, enquanto o sargento Ailton Rodrigues Machado é apontado como "doutrinador" do grupo. O soldado Lima, por sua vez, seria especialista em manusear facas e espadas. Na casa dele, em Osasco, foram achados computador e CDs com imagens em que ele e outro homem posam ao lado de crianças segurando facas, revólveres e pistolas. Os primeiros indícios de que um grupo de extermínio estava por trás das mortes surgiram dos ferimentos provocados nas vítimas - todas decapitadas - e a forma como desapareceram. O portador de deficiência mental Antônio Carlos da Silva Alves foi visto pela última vez em 9 de outubro de 2008, numa viatura do 37º Batalhão, pela irmã Vânia Lúcia da Silva de Santana Alves. Enterrado como indigente, a família só conseguiu reconhecê-lo durante as investigações graças a uma tatuagem de teia de aranha no braço esquerdo. Na semana passada, o corpo foi exumado e transferido a um cemitério da zona sul da capital. "Graças a Deus demos enterro digno a nosso filho. Ele tinha 31 anos, mas agia como um menino de 11. Era ingênuo, carinhoso e inocente como todas as crianças", desabafa a mãe, Maria da Conceição Alves. Assim como ela, as famílias de Roberth Sandro de Campos Gomes, de 19 anos, o Maranhão, e Roberto Aparecido Ferreira, de 20, o Bebê, também pedem justiça. Os dois foram decapitados em 30 de maio de 2008 e seus corpos jogados em Itapecerica da Serra, assim como Róbson Gomes da Silva, de 24, executado de maneira muito parecida em 11 de abril. A irmã de Roberth, Missele Gomes, de 21, diz que cadeia é pouco para os PMs. "A prisão é um luxo pra eles. Vamos processar o Estado." PIOR QUE BANDIDO Em 15 de janeiro do ano passado, José Carlos da Silva Júnior, de 15 anos, morador do Jardim Ângela, na zona sul, desapareceu. Onze dias depois, foi enterrado como indigente. Sua família só o localizou no dia 29 do mesmo mês. Ao reconhecer o corpo do filho, o segurança José Carlos da Silva disse que havia marcas de dois tiros no peito e nuca, além de furos provocados por espetos (de churrasco) e queimaduras nos cotovelos. "Meu filho foi morto por gente que é duas vezes criminosa. Um homem que veste uma farda de policial para cometer um crime desses é pior do que bandido." O segurança contou que "não tem mais paz na vida". Nos últimos meses, ele diz ter visto pelo menos menos três vezes viaturas rondando as ruas do bairro atrás dele. "Vi que eles (PMs) vêm num Corsinha, sempre acompanhados de uma viatura da Rota (Rodas Ostensivas Tobias de Aguiar)", afirma. "Os vizinhos depois me contam que eles estavam atrás de mim." O segurança também conta que seu filho já havia sido detido por furto, mas, depois disso, tinha melhorado. Durante o dia, trabalhava com a mãe vendendo iogurte de porta em porta e, à noite, estudava.

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