Policial denuncia execuções da Rota

Soldado contou ao ?Estado? como colegas simularam assaltos e até atentados do PCC para esconder assassinatos

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Por Marcelo Godoy
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O soldado P. se orgulha de trabalhar na Rota, a temida tropa de elite da Polícia Militar paulista. Diz que gosta de tudo correto, da abordagem de suspeitos à prisão de ladrões. Há mais de cinco anos de Rota, P. já viu também muita coisa errada, que "tem de parar". Como policiais roubarem um carro e fazerem um atentado como se fossem do Primeiro Comando da Capital para justificar a execução de um ladrão. Mais do que denunciar colegas, P. procurou o Estado para contar como as coisas acontecem. Como uma parte dos policiais - "sempre os mesmos" - faz as chamadas "derrubadas", onde suspeitos são escolhidos e executados. Depois os policiais encenam tiroteios e roubos. Tudo para "arredondar" o caso. Durante um ano, P. deu quatro longas entrevistas à reportagem. As informações foram averiguadas e, em dois casos, serviram para esclarecer crimes, levando à denúncia de policiais envolvidos ou reforçando indícios contra suspeitos. Ele revelou, por exemplo, em junho de 2006 o envolvimento de um comerciante na execução de dois suspeitos em Guarulhos - meses antes de a promotoria denunciar por homicídio quatro PMs da Rota e o comerciante, que emprestara um Audi aos policiais para simularem um tiroteio. Em outros casos, os dados básicos das histórias foram comprovados por boletins de ocorrência e depoimentos de dois oficiais da PM. O resultado é um retrato de como funciona um sistema ilegal, que o comando da polícia diz combater. Foi a reação dos colegas aos ataques iniciados pelo PCC na noite de 12 de maio de 2006, uma sexta-feira, o motivo que levou P. a desabafar. Dali até agosto, PMs mataram 104 suspeitos de pertencerem à facção. A "contabilidade" do lado do PCC também foi sangrenta. A facção matou 59 pessoas, 25 delas PMs.O relato de P. começa com uma reunião interna da tropa: ORDEM SUPERIOR "O oficial disse que era preciso dar uma resposta. No sábado (13 de maio) foram 9 (mortos). No domingo todo mundo entrou em forma de novo . O oficial parabenizou o trabalho feito, falou que precisava que se desse continuidade, que a tropa tinha entendido a mensagem, que precisava repetir a dose. Aí teve 16 (mortos). Na segunda, disse para maneirar um pouco e aí teve 8... Aí na terça, com o pessoal em forma, ele (o oficial) chegou e disse: ?Deu, tá bom.?" - Com a tropa em forma? "Em forma, com grito de guerra, grito de Rota e tal. Foi dado garantia: não tem Proar (acompanhamento psicológico de PMs envolvidos em ocorrências de risco), afastamento de rua e transferência. Não teve nada." O TEATRO P. conta um caso ocorrido na onda de ataques. Pela versão oficial, quatro bandidos roubaram um veículo para fazer um atentado quando foram surpreendidos. Dois morreram e dois fugiram. Mas a história, segundo o soldado, foi diferente: "Eram dois caras (os ladrões). (Os PMs) pegaram a caminhonete de um amigo de um soldado. Puseram os dois na caminhonete enquanto o oficial arrumou o fuzil, que já estava na base Aguiar (o quartel da Rota, na Avenida Tiradentes) ... aí depois, o outro oficial, que é irmão do tenente, arrumou os endereços e fez a carta (falsa relação de alvos do PCC deixada com os suspeitos, assim como o fuzil). Na hora da ocorrência, os dois marginais já estavam mortos no porta-malas da viatura. Já estavam mortos. Foram dois PMs civil (à paisana) que pegaram a picape para simular a perseguição, mas o que quase deu errado foi que uma reportagem estava perto e começou a filmar. Mas, quando a picape parou e começou aquele monte de tiro, o pessoal da reportagem parou. Eles não chegaram perto. Aí foi o seguinte: a reportagem mostrou alguma coisa, mas mostrou em benefício (da PM), pois não viu realmente o negócio lá." - Os supostos fugitivos eram policiais de outra viatura?" "É, de outra. É assim: duas ou três (viaturas) trabalham pra uma. São três procurando os caras (suspeitos) enquanto a outra vai fazer (executar)." - Por que alguém empresta o carro para a encenação da polícia? O que ele ganha? "Pelo prazer de poder apertar (matar) o ladrão."

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