População de favelas cresce 2 vezes mais rápido que a de SP em geral

No bairro do Paraíso, comunidade tem portão com cadeado; perto de Congonhas, conglomerado fechou rua

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Por Valéria França
Atualização:

São Paulo tem cada vez mais pessoas morando em barracos. O aumento da população das favelas paulistanas foi duas vezes superior ao crescimento vegetativo da cidade no último ano. Enquanto a população total da capital aumentou 2%, a das favelas cresceu 4%, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação. "Na última década, esse aumento variou de três a quatro vezes", diz Maria Lúcia Refinitti Martins, coordenadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Além do inchaço populacional, essas moradias se expandem pela cidade num ritmo que nem mesmo a Prefeitura consegue registrar. Quem passa pela região do Viaduto Paraíso, na zona sul da capital, nem imagina que um portão de madeira grafitado, fechado com cadeado, esconde uma favela. Rodeado pelo muro de um edifício comercial e pela Avenida 23 de Maio, o conjunto de moradias precárias funciona como um condomínio fechado: só os moradores têm acesso. Conhecida como Favelinha do Paraíso, ela é um exemplo típico de como essas moradias crescem silenciosamente. Com apenas 15 casas, a Favelinha do Paraíso é apenas uma de tantas outras não computadas pela secretaria. Na Vila Mariana, por exemplo, subdistrito da zona sul que abriga dez favelas, apenas cinco estão no cadastro oficial, uma lista de 1.602 núcleos . "O levantamento é baseado nos dados do Censo, feito há quase dez anos", afirma Elizabeth França, superintendente da Habitação Popular. "O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) também não registra as favelas pequenas, com menos de 50 pessoas", diz. "Ela (a favela) está aqui há mais de dez anos", conta a dentista Flávia Ribeiro da Silva, síndica do Paulista Work Center, prédio vizinho. Desde 2004, os condôminos tentam remover os moradores da favela. Naquela época, entraram em contato com a Subprefeitura da Sé. A favela nasceu num terreno público, um recorte irregular de 7 metros de frente por 30 metros de profundidade, localizado na encosta de um morro da Avenida 23 de Maio. Os barracos estão numa área de risco e podem despencar na via. "Tentamos um termo de colaboração com a Prefeitura", diz Flávia. "Fizemos projeto paisagístico, com iluminação e escadas que facilitariam o acesso dos pedestres até o ponto de ônibus da Avenida 23 de Maio. Faríamos a manutenção do espaço." A vizinhança reclama que a favela serve "para esconder bandido". "Essa é uma região de muito assalto. Os bandidos roubam e se escondem lá." Nas horas de pouco movimento, quem conhece a área prefere não cruzar o viaduto a pé. Apesar de Flávia ter cópias dos documentos enviados, a subprefeitura afirma nunca ter recebido denúncias de moradias irregulares. "Um funcionário da Prefeitura chegou a vir aqui, mas encontrou o portão da favela fechado. Foi embora." VILA MARIANA Os primeiros barracos da favela da Rua Coronel Luís Alves, na Vila Mariana, foram erguidos em 1945, quando o bairro tinha apenas algumas casas de classe média e muito mato. Famílias ocuparam uma área mista, de lotes públicos e privados. Hoje, há 90 casas de alvenaria, protegidas por muro e portão. A favela cresceu organizada, com ruas pavimentadas, casas de alvenaria pintadas e algum comércio. O conglomerado virou uma bolha no bairro de classe média e está na lista das que serão urbanizadas. "A iluminação era com lampião", diz Roberto Ferreira Filho, de 43 anos, um dos representantes da favela. Ele foi criado ali com seus oito irmãos, depois que os pais deixaram a extinta Favela do Vergueiro, há 55 anos. Hoje, sua casa está rodeada por prédios residenciais. "Não saí daqui porque o ponto é bom", diz Ferreira Filho, que mora há poucas quadras da Estação Vila Mariana do Metrô. Pizzaiolo desempregado, Ferreira mora numa casa de alvenaria com a mulher e o filho de 6 anos. Conseguiu equipar a casa com geladeira, máquina de lavar, fogão, computador e TV. Um exemplo de descaso das autoridade competentes é um conjunto de 250 barracos de madeira próximo ao Aeroporto de Congonhas, que fecha a passagem da Rua Freire Farto, dividindo-a em duas. No meio da rua, os moradores foram se amontoando em construções de madeira praticamente coladas, de dois e três andares. Localizada ao lado de um córrego, a favela está num trecho que alaga. "Fizemos palafitas, mas assim mesmo a água invade ", diz a manicure Alessandra Vieira. "Também coloquei uma rede embaixo da casa, porque a água, quando vem, carrega muito lixo. Depois é muito difícil tirar." Ela mora na primeira casa, a única ensolarada. As demais formam corredores tortuosos por onde a luz mal passa. O cheiro de umidade impera. Em março, um incêndio consumiu parte das casas. A favela ficava no limite entre a Subprefeitura do Jabaquara e a de Santo Amaro. "Fomos expulsos uma vez, e os funcionários da Subprefeitura do Jabaquara disseram para construirmos mais para trás, na área de Santo Amaro." A subprefeitura não comentou. FRASES Flávia Ribeiro da Silva Síndica de prédio vizinho à Favelinha do Paraíso "Fizemos projeto paisagístico, com iluminação e escadas que facilitariam o acesso dos pedestres até o ponto de ônibus da Avenida 23 de Maio. Faríamos a manutenção do espaço" Roberto Ferreira Filho Morador de favela na Vila Mariana "Não saí porque o ponto é bom"

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