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Por medo, piloto se recusa a pousar com chuva

Profissional com 10 mil horas de vôo teme os riscos em pista molhada de Congonhas

Por Humberto Maia Junior
Atualização:

Fábio (nome fictício) é comandante de aeronaves comerciais. Com 10 mil horas de vôo, foi um dos pilotos que se recusaram a pousar ontem de manhã no Aeroporto de Congonhas, quando a chuva era forte. "Foi medo mesmo", disse ao Estado, em Congonhas. O piloto pousou no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos. "Em 18 anos nessa vida nunca vi tamanha falta de respeito", disse o piloto, comparando a pista de Congonhas ao asfalto de uma rua onde passam carros. "Quando chove fica alagada. É impossível manter o controle de uma aeronave lá." Ele critica a torre de comando por não ter fechado a pista antes - a Infraero determinou o fechamento às 10h25 para medição e às 11h26 por más condições. "Ninguém pousa mais lá nessas condições", diz. "É impossível pousar em Congonhas num dia como esse", diz outro comandante de vôo. Ele afirma que, após a reforma, as pistas do aeroporto estão mais inseguras. Culpa da falta das ranhuras transversais, que dificultam derrapagens. "As pistas sempre foram ruins e a decisão já deveria ter sido tomada antes", disse outro experiente comandante ouvido ontem pelo Estado. Segundo ele, a pista auxiliar tem mais aderência que a principal. "Por incrível que pareça." STRESS Além do medo, funcionários da TAM enfrentam fadiga e stress. "Estamos todos cansados. O que quero é tocar a minha vida para frente e fazer o meu trabalho", resumiu um co-piloto da companhia, que deixou no domingo o Aeroporto de Congonhas para um dia de folga. O problema não foi só a queda da aeronave. O acidente, segundo os funcionários, foi o ponto máximo de estresse em meio a uma rotina que já vinha exigindo muito de pilotos, co-pilotos e comissários de bordo há vários meses. "O que tem nos deixado esgotados é a situação da aviação. E isso já vem de desde muito antes do acidente", diz uma aeromoça da TAM de 28 anos. "A companhia está no nosso pé, não podemos correr o risco de perder o emprego", explicou. Segundo ela, assim como os passageiros, os tripulantes também têm de lidar com os constantes atrasos e mudanças nos horários das viagens - só que, no caso deles, o inconveniente é diário. "A gente também tem família e quer voltar para casa. Só que nunca sabe direito quando isso vai acontecer", diz ela, casada com um piloto. "Fácil de entender a ausência do outro, mas difícil de se encontrar." Alguns funcionários, dizem eles, não agüentaram lidar com o estresse adicional gerado pela queda da aeronave. "Sabemos que algumas pessoas mais próximas dos colegas que estavam no vôo foram afastadas", diz outra aeromoça, que teve contato com um dos tripulantes que morreram. Segundo ela, a empresa também encaminhou para acompanhamento psicológico alguns funcionários que ficaram mais abalados. O esforço é por tentar seguir a rotina. "O clima é ruim, claro, mas temos que continuar", diz ela, que estava em Recife quando soube do que havia acontecido. "Meus parentes me ligaram para avisar. Sabiam que eu não estava naquele vôo, mas mesmo assim ficaram preocupados", diz. "Na hora, ficamos sem reação. Aos poucos todo mundo começou a entender."

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