Prédios de vidro, para ver e ser visto

Nova geração de edifícios de apartamentos de Nova York cria diálogo entre voyeurismo e exibicionismo

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Por Penelope Green
Atualização:

Jeremy Fletcher e Alejandra Lillo, designers da Graft, uma empresa de arquitetura e design com sedes em Berlim, Pequim e Los Angeles, dizem que elaboravam um diálogo entre voyeurismo e exibicionismo quando projetaram os interiores devassáveis do W Downtown, um edifício de apartamentos revestido de vidro a ser construído no distrito financeiro de Manhattan em 2009. As paredes de vidro do edifício permitirão aos moradores do W ver e serem vistos por pessoas na rua. Além disso, Fletcher e Alejandra criaram dispositivos transparentes dentro de cada apartamento, como uma janela entre a cozinha e o dormitório e um banheiro que é um cubo de vidro, permitindo que os moradores se exponham aos companheiros de moradia. A idéia, segundo Fletcher, era emoldurar e exibir os detalhes íntimos da vida ou ao menos aqueles que seriam esteticamente agradáveis, "como a sua silhueta embaixo do chuveiro". "Estamos criando palcos para as pessoas de certa maneira atuarem, mas é uma exposição muito roteirizada e pensada." Ele fala em ajustar a privacidade de cada cômodo, usando cortinas ou anteparos de pano para criar aberturas, como se muda a abertura de uma câmera fotográfica. "Se você não quiser que seu parceiro a veja raspando a perna, você pode puxar a cortina." Os interiores transparentes da Graft surgem maliciosamente numa cultura que continua a encontrar maneiras de exibir detalhes cada vez mais íntimos e mundanos da vida doméstica. Num mundo onde impera o YouTube, a casa já não é um refúgio privado: é apenas um receptáculo para a webcam. Em Nova York, o panorama urbano vem sendo sistematicamente refeito por torres de vidro como a W. Em setembro, Curbed, o espirituoso blog imobiliário de Nova York, exibiu uma foto de um recém-acabado prédio de apartamentos com paredes de vidro na Rua 13 Leste. Você podia ver o interior dos apartamentos, que mais pareciam quartos de dormir desmazelados. Era uma réplica perversa à badalação de marketing que cerca esses hoje onipresentes edifícios. Acompanhando a foto aparecia uma reclamação contra a vista de um sujeito em calções de boxe fazendo flexões. "Será que a primeira reunião do condomínio não terá de incluir uma oficina para a cobertura de janelas?" indagava. Em certa medida, a vida urbana sempre foi uma performance pública e um de seus prazeres é a oportunidade de vislumbrar hábitats alheios, assistir ao cinema de vidas alheias pela cortina entreaberta, como fez James Stewart em Janela Indiscreta. Mas, assim como as conversas de telefone entreouvidas costumavam ser fascinantes até o uso do celular chegar a um ponto de saturação, espiar os apartamentos alheios já não é tão sedutor. A VISÃO DOS ESPECIALISTAS A professora Sherry Turkle, psicóloga e diretora do Programa de Ciência, Tecnologia e Sociedade do MIT, vê as torres de vidro como expressões de "um ponto de virada na forma". "Há uma verdadeira confusão entre intimidade e solidão", diz. "Estamos sozinhos nesses prédios, enfrentando o anonimato da cidade, ou estamos conectados com a cidade? O que nós mostramos e o que escondemos?" "Isso espelha o que acontece quando estamos no computador. Já não somos capazes de distinguir quando estamos juntos e acolhidos e quando estamos sozinhos e isolados. Eu posso estar em contato íntimo com 300 pessoas por e-mail, mas, quando levanto a vista do computador, fico desalentada. Não ouvi uma voz, não toquei um braço, durante horas ou dias." Esses prédios, ela sugere, contam uma história de ansiedade - não de exibicionismo. O professor Jeffrey Cole, diretor do Centro para o Futuro Digital da Escola de Comunicação Annenberg da Universidade do Sul da Califórnia, vem pesquisando adolescentes e suas comunidades digitais, nas quais a metáfora da casa de vidro parece mais urgente e mais perigosa. "Minha experiência é de que os adolescentes, e em especial as garotas adolescentes, não sabem que no Facebook estão vivendo numa casa de vidro", disse Cole. "Eles são atraídos para um sentimento de que em suas redes são apenas eles e seus amigos e os melhores interesses do coração. Eu acho, essencialmente, que não temos nenhuma privacidade ou temos cada vez menos áreas para recuar em segurança." Os interiores abertos e janelas de vidro da arquitetura modernista foram a expressão de uma cultura urbana em relaxamento, afirma Winifred Gallagher, a autora de House Thinking: A Room-by-Room Look at How We Live. Apontando para os primeiros tempos do modernismo no início do século 20, ela observa que "de repente, já não queríamos privacidade e isolamento". No momento em que isso ressurge, Gallagher nota a mesma mensagem, mas com uma variante. "Nova York era uma cidade de grades e barras de aço nas janelas, um lugar inseguro. Hoje, a cidade é espetacularmente segura. O vidro conta essa história. A casa de vidro de Philip Johnson era algo que só poderíamos ter em Nova Canaã. Agora é algo que você pode ter na cidade. Claro, sempre haverá o pensamento de: como você pode sentir-se confortável com o predador olhando por sua janela?" Nos anos 70, o psicólogo Irwin Altman estudou como as pessoas desenvolviam relacionamentos, usando um método de "aberturas e fechamentos". "Elas gradualmente se abrem em níveis muito superficiais de suas personalidades e cuidadosamente se movem para áreas mais íntimas." Ele descreveu sua teoria de regulação da privacidade: para equilibrar os momentos em que os indivíduos se sentem expostos, precisam existir momentos em que estão fechados e sozinhos. "Uma das maneiras de fazer isso é em suas casas. As salas de visita são nossas salas públicas, onde nós mostramos o melhor de nós, o que há de valioso em nós e o que prezamos. E há os lugares como quartos de dormir que estão fora dos limites, aos quais só pessoas que nos conhecem intimamente têm acesso." Se uma sociedade como um todo está "aberta" o tempo inteiro, é razoável pensar que ela precisa de um pouco de fechamento. Talvez seja por isso que o arquiteto Costas Kondylis mudou o projeto de um prédio de apartamentos de 31 andares na Rua 60 Leste, em Manhattan, que era inteiramente de vidro, para granito. O vidro disse ele, acabou ficando algo "déjà vu demais".

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