Prefeito conclui privatização do carnaval e quer licitar desfile de novo

Hoje toda a renda dos ingressos dos desfiles do Grupo Especial fica com a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa)

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Por Wilson Tosta
Atualização:

Atualizada às 9h18

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RIO - Quando entrarem na Marquês de Sapucaí no Domingo de Carnaval, as escolas de samba do Grupo Especial do Rio celebrarão seu terceiro ano consecutivo de controle de 100% da receita do desfile e uma situação financeira excepcional da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), entidade com origens na cúpula do jogo do bicho. Determinada pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB), a privatização final do evento pode estar na raiz da melhoria da situação financeira da Liga, que de 2009 para 2012 viu seu superávit com o carnaval subir de R$ 1.517.257,10 para R$ 6.728.257,83 (343,44%), segundo balanços da La Rocque Contadores Associados. Agora, Paes se prepara para, mais uma vez, tentar promover uma licitação para a organização do desfile - possibilidade rejeitada no passado pela Liesa, organizadora direta do espetáculo desde 1995, por iniciativa do então prefeito Cesar Maia (DEM).

"Era um monopólio de serviços - sempre os mesmos, (em) que a prefeitura contratava quem exigiam e ainda pagava um absurdo", disse o hoje vereador Maia, por e-mail, recordando a situação anterior à privatização "No segundo ano (após a passagem do evento para a Liesa), a prefeitura passou a ter lucro, demonstrando o absurdo. Entre outras coisas (antes), 30% dos ingressos incluindo camarotes eram distribuídos." Desde então, sem licitação e até o carnaval de 2009, os contratos reduziram a parte do município na receita, até que 93% ficasse com a Liga, 6% para a Riotur e 1% para a Obra Social da cidade - a Liesa também recebia da cidade, em alguns anos, adiantamentos e contraprestações . Depois de tentar, sem sucesso, licitar o desfile, Paes substituiu o contrato por um Termo de Permissão de Uso, cedendo à entidade os últimos 7% que ainda iam para os cofres públicos.

Para Paes, o contrato anterior, que aboliu, permitia "um negócio esquisitíssimo". "Adiantava (dinheiro, perto de R$ 15 milhões, para montagem do desfile), depois a Liesa devolvia, no fim das contas a Prefeitura não ganhava nada com essa história, tinha um repasse contábil, financeiro inclusive, que eu quis interromper. Eu quis romper relações financeiras com a Liesa." O prefeito reconhece que a Prefeitura ainda tem despesa com o espetáculo, como limpeza e assistência médica, mas, afirma ela, tem "lucro indireto", com turismo e impostos gerados, embora não especifique quanto.

Boa parte da história da história da privatização do carnaval carioca está em documentos públicos, arquivados na Riotur e espalhados por ações que tramitam na Justiça fluminense para tentar esclarecer a relação entre o poder público - dono do cofre de onde saem verbas para apoio direto ou indireto às escolas de samba - e a Liesa. O Estado obteve parte dessa documentação por meio de requerimentos apresentados à Riotur, com base na Lei de Acesso à Informação, e ao Ministério Público Estadual. A papelada - contratos, relatórios, cheques, recibos, balanços e outros -mostra como, ao longo dos anos, aos poucos, a maior parte do faturamento do carnaval (que inclui a exploração de marketing, o aluguel de espaçoscomerciais na Passarela e o direito de imagem da ransmissão) foi passando do poder público para a Liesa - agora, dona exclusiva da festa.

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Em 1988, a Prefeitura ficava com 60% de todas as receitas, segundo levantamento do MP. Já em 1990, 44,5% do arrecadado com ingressos ia para o município, que também recebia 100% da comercialização e 0% da transmissão de TV. Já em 1995, o porcentual do município baixara a 16%. Depois das tentativas frustradas de licitação, depois de 2009, adotou-se um instrumento jurídico mais precário, um Termo de Permissão de Uso da Passarela do Samba, que determina a divisão das receitas de ingressos pela Liesa, após impostos. Agora, a seguinte: a Liga repassa 50,35% às escolas, a seu exclusivo critério; retém 2,65% como remuneração de contratos relativos a direitos das agremiações; e fica com mais 37% para o Projeto Geral de Construções Temporárias (montagem estruturas na Passarela, frisas, camarotes etc) Outros 10% vão para a Editora Musical Escola de Samba S.A., para pagamento de direitos autorais.

Há outras receitas. Segundo depoimento do presidente da Liesa, Jorge Luiz Castanheira Alexandre, ao MP em 2010, em inquérito civil público na 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania, o direito de imagem dos desfiles rendia então R$ 15 milhões às agremiações. Ele também lembrou outros aportes, como R$ 8 milhões de empresas petroquímicas, em 2008, por interferência do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais R$ 8 milhões em 2009 (petroquímica e Eletrobrás) e R$ 12 milhões em 2010, da Petrobrás BR/Distribuidora, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. "O desfile é um evento privado", disse Castanheira à Promotoria, afirmando que a prefeitura só apoia o evento, que poderia ser feito em outro município. Procurado, o presidente da Liesa não quis falar com o Estado.

Segundo cálculos do Ministério Público, a partir da "contraprestação", em 2000, as receitas da Liesa tiveram aumento real de quase 100%, passando de 16 milhões de Ufirs (R$ 38,4 milhões), em 1998, para mais de 31 milhões de Ufirs (R$ 74,4 milhões), a partir de 2003, embora a receita de ingressos tenha avançado menos de 44%. Já a prefeitura, de que de 1995 a 1999 obteve lucros que(R$ 4,8 milhões a R$ 9,6 milhões, pela Ufir-RJ de 2013) variaram de 2 milhões a 4 milhões de Ufirs, passou para o vermelho: seus prejuízos anuais nos ano seguintes foram de 4 milhões a 6 milhões de Ufirs (R$ 9,6 milhões a R$ 14,4 milhões) . 

Todos esses valores foram calculados com base na Ufir-RJ de 2013, fixada pelo governo fluminense em R$ 2,4066. Um contador que examinou os balanços da Liesa a pedido do Estado classificou a situação financeira da entidade de "excepcional". No carnaval de 2009, segundo os borderôs obtidos na Riotur mostraram uma receita de quase R$ 41 milhões apenas com ingressos.

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OUTRO LADO

'Não é o momento' de discutir licitação, diz presidente da Liesa
Consultado pela reportagem do Estado por telefone,o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa), Jorge Castanheira, afirmou que "não é o momento" de discutir a licitação para organizar o desfile. "Só vou me manifestar sobre isso
depois do carnaval", afirmou.
Questionado sobre o dinheiro arrecadado pela entidade por conta dos desfiles, o presidente da Liesa afirmou que não pode informar qual é a receita. "Depois do desfile eu poderei responder se dá lucro ou não", disse Castanheira.
Em depoimento ao Ministério Público, em 2010, Castanheira afirmou que o desfile é um evento particular, não subordinado à Prefeitura do Rio. "Os desfiles poderiam ser realizados em qualquer outro município que se interessasse", disse. Segundo ele, "se uma empresa ganhar a licitação e as condições da Liesa foram desfavoráveis o desfile não acontece". FÁBIO GRELLET, O ESTADO DE S. PAULO

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