Presas começam a ser transferidas de delegacias no Pará

Algumas detentas, porém, se recusam a ir para Belém, alegando que ficarão longe dos familiares

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Por Carlos Mendes
Atualização:

O decreto da governadora Ana Júlia Carepa que determina a transferência para a capital de mulheres e adolescentes presos em delegacias do interior do Pará, sem condições para abrigá-los, começou a esbarrar num problema: as presas de algumas cidades se recusam a ir para Belém, alegando que ficarão longe dos familiares, principalmente dos filhos, e perderão a alimentação que hoje recebem deles na cadeia. Delegado-geral do Pará terá de se explicar, diz governadora IML conclui que garota presa no Pará é menor De cada 10 brasileiras, 3 já sofreram abuso Menor é processada oito vezes como adulta As seis primeiras mulheres do interior, provenientes do município de Portel, no arquipélago do Marajó, devem chegar na capital nesta quarta-feira, 28, e provavelmente serão levadas para o Centro de Recuperação Feminina, no bairro do Coqueiro, na periferia da cidade. A cadeia de Portel está em péssimas condições para abrigar presos de qualquer sexo. Para mulheres é totalmente inadequada. As mulheres ficam em cela separada dos homens, mas não dispõem de sanitário. Elas usam o banheiro dos policiais e têm de pedir permissão cada vez que necessitam, inclusive para tomar banho. O bispo do Marajó, dom José Luiz Azcona, condenou a prisão, denunciando as condições do local à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O assessor da Comissão, Amarildo Formentini, filmou as celas e ouviu o depoimento dramático das presas. Uma delas, Edna Marques, disse chorando que preferia ficar em Portel a ir para Belém. Para ela, ficar longe dos nove filhos, três deles menores, é pior que enfrentar "o inferno" da delegacia local. "Só vou se não tiver jeito, mesmo", afirmou. Com filha de um ano e um mês que precisa ser amamentada todos os dias, Maria Mendes de Souza lamentou ter de se afastar dos seis filhos, que ficarão sob os cuidados da avó. Doente do coração, Maria das Graças Cunha teme o agravamento de seu estado de saúde com a transferência para Belém. Os três filhos a visitam todos os dias e nesta terça choravam abraçados à mãe, que também não continha as lágrimas ao arrumar as poucas coisas que tinha na cela para a viagem a Belém. Por determinação da governadora Ana Júlia, as presas receberão toda a assistência médica e social até que possam retornar a Portel para aguardar a manifestação da justiça. Relatório divulgado pelo Ministério Público do Pará condenou as celas de todas as delegacias e de seccionais de polícia da capital para receber não apenas mulheres, mas também portadores de deficiência. De acordo com a promotora de Justiça, Elaine Castelo Branco, a situação das cadeias constitui uma flagrante violação aos direitos humanos. Os problemas estão em toda parte: não há higiene nas celas, os chuveiros não passam de canos de água jorrando 24 horas e os vasos sanitários são apenas um buraco aberto no chão. Para piorar, os delegados mandaram tapar o respiradouro das celas por onde penetrariam as correntes de ar. Fizeram isso alegando que os presos jogavam fezes e urina pelos corredores das celas, comprometendo a saúde de todos. Com isso, os próprios presos ficam sujeitos a pegar doenças respiratórias e de pele devido à proliferação de vírus e bactérias. Os policiais encarregados da segurança dos prédios também são desviados da função para fazer revista de familiares dos presos e servir refeições. O Sistema Penal, que deveria cuidar dos presos de justiça, é um ilustre ausente das delegacias. Ele deveria garantir a alimentação, mas isso é feito pelos familiares dos presos. O Estadão foi notificado pelo Ministério Público para corrigir os problemas em 15 dias, forçando-o a formalizar um termo de ajuste de conduta. Se ignorar a notificação, Castelo Branco antecipou que será ajuizada uma ação civil pública. Nesse caso, a Justiça obrigaria o Estado a criar a estrutura nas cadeias que hoje não existe para receber mulheres, homens e deficientes.

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