Primeiro desafio de Olívio Dutra é estruturar Ministério

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Por Agencia Estado
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Instalado em dois andares de um edifício da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, dividindo o prédio com outros órgãos da administração federal, o novo Ministério das Cidades tem como primeiro desafio estruturar-se. O ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra passará os primeiros meses à frente da pasta tentando levantar recursos e articulando-se com outros órgãos do governo e entidades da sociedade civil. De mais palpável, conforme ele próprio afirma, o Ministério conta com R$ 700 milhões para subsídio à habitação neste ano. Em entrevista exclusiva, Dutra disse que concentrará sua atuação no estímulo à construção de moradias para baixa renda (até cinco salários mínimos). Pretende, ainda, que a iniciativa privada atenda à demanda da classe média. Segundo ele, "é preciso pensar a habitação de qualidade de modo holístico". Por isso, o ministro das Cidades também ficará encarregado de implantar as políticas de saneamento ambiental e transporte urbano do novo governo. No setor de saneamento, Dutra defende que os municípios detenham a titularidade dos serviços de água e esgoto. Afirma que a preferência é incentivar a relação entre as companhias estaduais de saneamento e os municípios. Caberia à iniciativa privada a construção das obras. Quanto à privatização do setor, Dutra afirmou que esta é uma "questão em aberto". Agência Estado - O orçamento anunciado para o Ministério das Cidades é de R$ 9 bilhões, o terceiro maior entre as pastas. Quais serão os mecanismos efetivos para aplicá-lo? Olívio Dutra - Esses recursos estão dispersos por vários órgãos. O que temos de mais palpável são R$ 350 milhões do PSH (Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social, mantido com recursos do Orçamento Geral da União) e outros R$ 350 milhões do FGTS para subsidiar moradias de baixa renda. Por isso queremos abrir espaço para a iniciativa privada na construção de moradias para famílias com renda de até cinco salários mínimos. O governo entraria com o subsídio às habitações. Vamos procurar as entidades do setor para discutir a questão. AE -De onde, então, saíram os R$ 9 bilhões anunciados pela imprensa? Dutra - Os R$ 700 milhões são os recursos mais palpáveis. Os recursos não são fartos, mas também não são escassos. Vamos centralizar as ações do setor e descentralizar a operacionalização, a fim de não desperdiçar nenhum centavo. Há também outras fontes de recursos, como os da Caixa Econômica Federal. Também queremos nos articular com Estados e municípios para a captação de recursos extra-orçamentários, como os do Banco Mundial e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Queremos ainda fomentar a formação de cooperativas de produção. O importante é que nada se resolve isoladamente neste setor: a habitação precisa de um tratamento holístico, articula-se com saneamento e transportes. AE - Uma das críticas do setor é que o Ministério não dispõe de mecanismos efetivos de atuação, como uma agência de fomento, por exemplo. Com que instrumentos efetivos a pasta contará? Dutra - O Ministério das Cidades foi criado para encurtar caminhos na articulação de políticas, concentrando ações e instrumentos, mas descentralizando operações. No caso dos recursos, por exemplo, temos relação direta com a Caixa, BNDES e Banco do Brasil. Todos esses mecanismos precisam ser articulados num sistema que não seja imposto de cima para baixo, para que se possa combater o déficit com moradias de qualidade. AE - Mas como se dará, na prática, essa articulação? Dutra - Estamos trabalhando para indicar o vice-presidente de Desenvolvimento Urbano da Caixa. Até chegarmos ao governo, os critérios da CEF para crédito habitacional eram mais rigorosos que os dos bancos privados. Desejamos criar pontes efetivas entre o Ministério e outras esferas do governo. Também queremos influir na composição do Conselho Curador do FGTS. AE - Uma parte dos construtores defende a criação de agência de fomento à habitação, desvinculada da Caixa. O que o senhor acha? Dutra - Uma agência de fomento à habitação social é uma boa proposta, que pode ser discutida pelo Ministério. No primeiro semestre, queremos constituir o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano ou o Conselho Nacional das Cidades (o nome ainda não está definido). Será uma instância de representação da sociedade para formulação de políticas do setor composta por 32 membros, mais 32 suplentes. Serão dez representantes do governo, seis de Estados e municípios, oito de movimentos de destaque nacional, quatro do setor empresarial e quatro de entidades de classe. AE - O Conselho será apenas consultivo? Dutra - Sim. Será composto por quatro câmaras setoriais: habitação; saneamento ambiental; transporte urbano e trânsito; e desenvolvimento urbano. Queremos que cada câmara seja composta por, pelo menos, 16 membros. AE - Parte dos programas para baixa renda é inviabilizada pela estrutura fundiária do País, como grande burocracia nos cartórios e terrenos caros nos centros urbanos. O que o Ministério fará a respeito? Dutra - Temos a vontade política de equacionar a estrutura fundiária do País, com Estados e municípios. Queremos conversar sobre isso com o Ministério da Justiça, a fim de compor um cadastro atualizado dos próprios públicos. Também conversaremos com os prefeitos, para encontrar meios de desobstruir o acesso aos terrenos e resolver a situação dos imóveis que estão em situação irregular. AE - Qual será a política de crédito para famílias com renda mensal acima de cinco salários mínimos? Dutra - Hoje, a CEF atinge famílias acima de cinco salários mínimos, onde o déficit habitacional é bem menor. Queremos que essa camada seja atendida pelo mercado, para que o governo seja liberado para subsidiar a baixa renda. Temos que criar um Sistema Nacional de Habitação, em que os mecanismos de crédito para a classe média (SFI e SFH) sejam simplificados. Não queremos que o setor privado trabalhe de graça ou no vermelho. É preciso também estimular a capilaridade dos financiamentos. Hoje muitos constroem seu imóvel com poupança própria, no fim de semana, sem crédito bancário. O importante é desenvolver a qualidade de vida das pessoas nas cidades, o que envolve a habitação nos centros urbanos. Isso se liga aos problemas de transporte urbano e saneamento ambiental. Hoje, poucos conseguem usufruir realmente das cidades. AE - Qual é a posição do Ministério quanto ao Projeto de Lei Nº 4147/02, que estabelece a política nacional de saneamento básico? O projeto está patinando, basicamente devido à disputa entre Estados e municípios pela titularidade dos serviços. Dutra - A questão será discutida dentro do Conselho Nacional a ser criado no Ministério. Mas queremos que os municípios continuem sendo o poder concedente. Isso não impedirá que estabeleçam contratos com as concessionárias públicas estaduais para prestação dos serviços. Também é possível que as cidades se articulem em consórcios. AE - Como o senhor avalia a participação de empresas privadas na concessão dos serviços? Dutra - Tenho estudos que mostram a importância da iniciativa privada na produção de obras e equipamentos para o setor. Mas nas concessões, a discussão está em aberto. Em alguns casos, o modelo vai muito bem. Mas em outros, como na Argentina, não vai. Penso que, no início, temos que valorizar as empresas públicas de saneamento. É lógico que elas devem se qualificar. AE - O elevado endividamento das companhias estaduais é que limita sua capacidade de captar recursos para investir, segundo os analistas. Como lidar com a situação? Dutra - Essa situação foi gerada por uma administração temerária das empresas públicas, que foram paulatinamente sucateadas para, depois, serem vendidas por nada. Acho que temos que criar uma política controlada pelo poder público. A debilidade das companhias deve ser discutida nos municípios, para que os prejuízos não sejam socializados.

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