Problema psíquico afeta PMs no RJ

Pesquisa revela ainda que 25% dos policiais não se sentem úteis na vida e há muitas críticas aos baixos salários

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Por Alexandre Rodrigues
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Homens estressados, cansados, mal pagos. Insatisfeitos com o presente e com pouca crença no futuro. Imobilizados pela hierarquia e magoados com a generalização de uma imagem corrupta e ineficiente na sociedade. Esse é o retrato que policiais militares do Rio fazem deles mesmos, segundo pesquisa realizada entre 2005 e 2007 pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Claves/Fiocruz). O estudo revelou nível elevado de sofrimento psíquico entre os encarregados de efetivar a segurança pública nas ruas. Mais de 50% deles dormem mal; 48% sentem-se nervosos, tensos ou agitados; e 35% se queixam de cansaço constante. Cerca de 16% têm tremores nas mãos e 5% admitem: pensam em se matar. Um quarto dos policiais se diz "incapaz de desempenhar um papel útil na vida" e quase 14% deles choram com freqüência. O perfil humano fragilizado da Polícia Militar do Rio, a primeira do País, é apenas um dos aspectos revelados pela pesquisa, condensada no livro Missão Prevenir e Proteger, que será lançado hoje. É um completo inventário sobre as condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio vistas por dentro da instituição. Foram ouvidos 1.120 policiais da capital, por meio de questionários anônimos e entrevistas. A amostra tenta reproduzir a distribuição do total de 21 mil policiais fluminenses: 46% dos ouvidos são soldados; 16%, cabos, e os outros 38% oficiais e suboficiais. Cerca de 96% dos policiais ouvidos são homens. O principal foco de insatisfação está no salário, alvo da menor nota que atribuíram para aspectos do seu trabalho: 2,2 (entre os oficiais) e 1,3 (entre cabos e soldados). A pesquisa constatou que mais de 80% dos policiais se entregam a uma atividade arriscada por menos de R$ 1 mil líquidos. Em 40% dos casos entre os praças, trata-se da única fonte de renda da família. A maioria tem ainda descontos de pensões e empréstimos na folha. A baixa renda resulta na moradia precária. Muitos correm risco ao conviver com bandidos em favelas e têm dificuldades de obter casa própria. Para complementar a renda, 51% dos oficiais e 61% dos cabos e soldados admitem ter outra atividade. Quase 75% deles se emprega na segurança particular, o que pode ser, em muitos casos, eufemismo para o envolvimento com milícias. Para mais da metade desses, a atividade extra consome mais de 20 horas semanais. O resultado são poucas horas de sono, nenhum lazer e muito estresse. Alguns disseram saber dos riscos à saúde, mas justificam a jornada dupla com ganhos que podem ser o dobro do soldo com a mesma carga horária. Associados ao desgaste físico e emocional aparecem o uso freqüente de álcool (acima de 40%), tranqüilizantes (13,9% entre oficiais e 8,5% entre praças) e até drogas como maconha, cocaína e crack (cerca de 4% entre oficiais e 2% entre praças). Há uma grande insatisfação com a hierarquia. Apenas 38% dos praças afirmam receber ordens claras sobre como proceder na rua. Em 72% das respostas, admitem que precisam burlar ordens para conseguir concretizar as tarefas. A maioria avalia como insuficiente a formação que tiveram e mais de 90% disseram nunca terem recebido outro curso desde a entrada na polícia. A predominância de soldados com menos de dez anos de carreira indicou alta rotatividade. Metade da tropa pratica exercícios físicos menos de três vezes por mês. Pouco mais de 25% não o fazem nunca. Aliando-se a isso a má alimentação que relatam, 60% dos praças e 70% dos oficiais estão acima do peso. Apesar dos problemas, a pesquisa registra que há vocação entre as motivações dos policiais que podem ser estimuladas. Cerca de 60% dos cabos e soldados escolheria a PM de novo se as condições fossem melhores. Procurado pelo Estado, o comandante da Polícia Militar, Gilson Pitta Lopes, não retornou as ligações para comentar a pesquisa.

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