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'Processo de Mariana Ferrer estarrece', diz única mulher a integrar o STM

Maria Elizabeth Rocha é a primeira ministra de cortes superiores da Justiça a se manifestar sobre o episódio da jovem que foi humilhada em julgamento do caso que acusa um empresário de estuprá-la

Por Breno Pires
Atualização:

BRASÍLIA - Única mulher a integrar o Superior Tribunal Militar (STM), a ministra Maria Elizabeth Rocha afirmou ao Estadão que a influenciadora digital Mariana Ferrer, de 23 anos, foi vítima de assédio moral e teve seus direitos violados durante o julgamento do caso em que acusa o empresário André Camargo Aranha de estuprá-la. “O processo de Mariana Ferrer estarrece!”, disse a magistrada.

Rocha é a primeira integrante mulher de tribunais superiores no Brasil a comentar o episódio e avaliou como equivocada a atuação do juiz e do promotor responsáveis pelo processo. A reportagem procurou também as duas ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) e as seis do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas elas não comentaram o caso até a publicação desta notícia. Rosa Weber e Cármen Lúcia, as duas únicas "supremas", nem sequer retornaram o contato da reportagem, feito por meio da assessoria da Corte.

Ministra Maria Elizabeth Rocha, doSuperior Tribunal Militar (STM) Foto: STM

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Maria Elizabeth Rocha, do STM, disse ao Estadão ter lido a sentença e a denúncia feita por Mariana Ferrer contra o empresário. Ela também assistiu ao vídeo da audiência em que a jovem é humilhada pelo advogado Claudio Gastão Filho, que representa o acusado. Nas imagens da sessão, divulgadas pelo site The Intercept Brasil, o defensor diz a ela: “Jamais teria uma filha do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”. A íntegra do vídeo mostra que Gastão Filho foi ríspido com Ferrer em outras ocasiões além das já divulgadas. O advogado a chama de “mentirosa” e diz que vai prosseguir sua fala “antes que comece a choradeira”.

“(São) Cenas dolorosas de assistir, que mesmo editadas, demonstraram uma equivocada condução do magistrado que não interveio com a presteza devida e uma flagrante violação aos direitos fundamentais de quem buscava proteção junto ao Poder Judiciário”, disse a ministra ao Estadão.

Na sessão, o advogado também exibiu fotos sensuais feitas pela jovem antes do episódio, sem qualquer relação com o suposto crime, e a chama de “mentirosa”. Apesar das intimidações e de apelos de Mariana para que fosse respeitada, o juiz não intercede. “Excelentíssimo, estou implorando por respeito, nem acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, disse Ferrer se dirigindo ao juiz Rudson Marcos. Aranha foi inocentado pelo magistrado, que entendeu não haver provas suficientes para comprovar o crime de estupro.

“Causa espanto, também, a postura do Ministério Público que, reforçando regras comportamentais sexistas, em alegações finais pediu a absolvição do réu, desconsiderando os relatos da vítima, de sua mãe, do porteiro e do motorista do Uber; desconsiderando, inclusive, o laudo que atestou o rompimento do hímen com o material genético do estuprador. Tudo revelou-se insuficiente para uma condenação”, acrescentou a ministra do STM.

O advogado, na visão de Rocha, desestabilizou a acusadora de maneira covarde valendo-se do sigilo do caso. “Aproveitou-se da surdina, para despi-la de sua humanidade, a serviço não da Justiça, mas do modelo patriarcal, androcêntrico e misógino que trata as mulheres como coisas que podem ser violadas física, psicológica, moral, patrimonial e sexualmente. Não anteviu o ‘defensor’ o vazamento da sua crueldade e a indignação que ela causaria, inclusive entre seus pares”, afirmou a magistrada.

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As condutas do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, e do promotor do caso, Thiago Carriço, do MP de Santa Catarina, serão alvos de investigação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), após representações feitas por conselheiros dos dois órgãos.

A ministra Maria Elizabeth Rocha afirmou também que o caso reforça a cultura do estupro. “Fica o gosto amargo de ver mulheres vitimizadas que ousaram não se calar virarem rés nos tribunais que descriminalizam condutas criminosas para silenciá-las na desonra. E a cultura do estupro velado e devastador se perpetua, revelando o caráter opressivo dos papéis sociais que objetificam e subjugam seres humanos, impedindo-os/as de viver uma vida digna e livre de violências.”

Das ministras de tribunais superiores, Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, que é também a corregedora nacional de Justiça no CNJ, disse que não vai se manifestar pois o caso está em segredo de justiça. A ministra Assusete Magalhães também preferiu não se pronunciar agora sobre o caso e deixar isso para os conselhos competentes. As ministras Laurita Vaz e Isabel Gallotti também informaram que não vão se pronunciar.

O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse ao Estadão nesta quarta-feira que atuou “nos limites profissionais e legais”. Gastão Filho disse que os trechos divulgados da audiência “distorcem o contexto”. Sobre o uso de fotos de Mariana Ferrer como modelo e ter falado que ela posara em “posições ginecológicas”, o advogado disse que “dinâmicas entre acusação e defesa, especialmente em casos mais complexos, abrangem aspectos relacionados a hábitos, perfis, relacionamentos e posturas dos envolvidos” e que a sua indagação foi para mostrar “a mudança brusca de comportamento dela para supostamente sustentar estereótipo criado para a personagem que protagoniza o caso”. O advogado disse também que “lamenta o mal-entendido caso alguém tenha se ofendido”.