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Propina aparece escrita em cheque

Comerciante denunciou achaque em documento bancário, que acabou endossado e sacado, conforme microfilme

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Dois cheques de R$ 16 mil cada um são as novas e mais surpreendentes provas encontradas pelos corregedores na apuração do suposto esquema de corrupção mantido em Bauru pelo delegado Roberto de Mello Annibal. No verso das folhas, o comerciante Nilton Martins escreveu "pagamento de propina para o Deinter-4 (Departamento de Polícia Judiciária do Interior-4, responsável pela região de Bauru)". A microfilmagem dos cheques confirmou o depoimento do comerciante, que se diz vítima de achaques. O comerciante é dono de um estacionamento usado como pátio pela Polícia Civil da cidade para a guarda de carros apreendidos e envolvidos em crimes, acidentes ou irregularidades administrativas. Martins havia sido uma das pessoas que haviam feito denúncias ao delegado Roberto Fernandes, que as encaminhou à Corregedoria em 2008. Quem receberia a propina seria um preposto dos policiais. Ele sacaria o dinheiro na boca do caixa. O preposto seria responsável por leiloar carros apreendidos pela polícia. Ele teria sido colocado na função em substituição ao leiloeiro registrado no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para executar o trabalho. Assim, o suposto esquema de corrupção não se limitaria à cobrança de propina dos caça-níqueis. Outra forma de arrecadar dinheiro seria, segundo Fernandes, os leilões de carros apreendidos. Depois de obter autorização judicial, os veículos são leiloados. Parte do dinheiro arrecadado seria repassado aos acusados. No caso dos pátios de veículos apreendidos, a propina seria cobrada para que a polícia continuasse a utilizar os estacionamentos contratados. É que a Polícia Civil não tem lugar para estacionar os veículos e é obrigada a contratar empresários que façam o serviço. Os cheques foram aprendidos pelo delegado Luiz Antônio Rezende Rebello, diretor da Corregedoria do Interior do Estado. Rebello, que integrou a equipe do delegado Guilherme Santana - corregedor nos anos 1980 e 1990 -, fez pessoalmente a diligência. O gerente da agência bancária afirmou que se recordava que o dinheiro havia sido sacado na boca do caixa, mas não se lembrava de quem o fez. Com base nesses depoimentos e outras provas do inquérito, Rebello indiciou a antiga cúpula da polícia na região. Ele dispõe ainda dos sete DVDs e dois CDs com conversas gravadas pelo delegado Fernandes, que se encontrou com advogados, comerciantes e policiais e filmou tudo em 2008. O dossiê feito por Fernandes foi o início da investigação. Atualmente, ele dirige a Polícia Civil na região de Presidente Prudente, na região oeste do Estado. ?MOTORCICLETAS? A Corregedoria tem ainda cópias de transcrições de conversas telefônicas dos acusados interceptadas pela Polícia Federal. Em várias delas, policiais da região de Bauru avisam integrantes da máfia dos caça-níqueis sobre blitze que seriam realizadas contra as máquinas. Em outras, um suposto integrante do grupo diz que vai pagar "três motorcicleta (sic)" e já havia pago "seis motorcicleta (sic)" aos policiais corruptos. "Em contrapartida, eles (os policiais) garantiram a entrada das máquinas (na região) e a perpetuação da atividade, sem repressão policial e com a impunidade dos responsáveis", diz a ação civil movida pelos promotores contra os policiais acusados. TRECHOS DOS GRAMPOS DA PF Investigador João França liga para Vladimir Ivanovas, suposto integrante da máfia, e o avisa sobre blitz que será feita. O policial quer saber se as máquinas dali são do comerciante Vlad: Bom dia. França: Oi, rapidão, Antônio Alonso, lá no Olímpia, tem alguma casa para alugar? Vlad: Não tem, mas vou levantar, vou ver. França: Mas voando tá, porque eu tô com pressa. Vlad: Belezinha. O comerciante Hermínio Massaro Filho conversa com o investigador da polícia em Jaú João França. França chama Hermínio de Buiú e este chama o policial de Herrera. Conversam em código, segundo a PF, sobre as máquinas Hermínio: Beleza? França: Joinha. Hermínio: Deixa eu falar uma coisa pra você. Aquele endereço daquela senhora que faz doce daquele amigo meu preto lá... França: Sei. Hermínio: É primeiro de março 678. França: 678, eu vou passar lá e te dou uma olhada. Hermínio: Você me dá retorno se ela tá fazendo as compotas ainda? França: Opa, deixa comigo. Hermínio Massaro Junior conversa com o policial militar Denizar Rivail Lizieiro, acusado de vazar informações sobre blitze da PM Hermínio: Maravilha, deixa eu falar uma coisa para você, ah, o Gaeco. Denizar: Ãã. Hermínio: O Gaeco parece que deu uma vistoriada no seu (celular), no meu viu (celular). Denizar: É? Hermínio: Acho bom a gente trocar de número. Vladimir Ivanovas telefona para o policial Danilo Sérgio Grilo e reclama que ele e seus colegas se confundiram e estão apreendendo máquinas dele e não da concorrência. Danilo: Oi. Vlad: É marmita (caça-níquel) nossa aí, viu? Danilo: Ah da... o rapaz falou que vai passar daqui uns 20 minutos para ver aquele negócio do serviço dele lá. Vlad: Vai passar daqui 20 minutos? Mas não vai dar tempo, né? (...) Então, esqueci de falar pra você, é nossa. Danilo: Ah. Vlad: É segurança nossa. Danilo: Falou.

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