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R$ 600 para ser camelô na Marginal

Pontos mais valorizados são os de maior congestionamento; e há quem terceirize um lugar a R$ 20 por dia

Por Fabio Mazzitelli e JORNAL DA TARDE
Atualização:

Em junho, o mecânico Manoel Vitalino da Silva, de 48 anos, pediu para ser demitido da oficina em que trabalhava, no Jaçanã, zona norte de São Paulo. Queria ouvir os roncos de motores de outra perspectiva, à beira do rio. Silva engrossou o grupo de camelôs que trabalham nas Marginais do Tietê e do Pinheiros, atividade que cresce e fica mais complexa, com o surgimento de ambulantes "terceirizados" e comércio de pontos-de-venda. Nos trechos mais congestionados, há quem cobre R$ 600 para passar o ponto. Na quinta e na sexta-feira da semana passada, a reportagem percorreu 41 km da Ponte Transamérica à Ponte Imigrante Nordestino, para constatar a rotina dos ambulantes. No trajeto, de ida e volta, foram encontrados 108 camelôs, espalhados por áreas de oito subprefeituras. A Subprefeitura da Lapa, por exemplo, com 18 km de marginais, tem 43 deles e admite que o número está crescendo, embora não tenha estatísticas oficiais. "Eu ganhava R$ 600 como mecânico. Aqui, em semana boa, faço R$ 250 livres", diz Silva, que trabalha perto da Ponte da Casa Verde e levou o filho para outro ponto à beira do Tietê. "Cada um tem o seu canto", diz o mecânico, morador de um Cingapura na Casa Verde. Perto dele, um ambulante que se identificou só como Tonho pôs o ponto "à venda". Quer R$ 600 porque "é um dos melhores, o lugar onde o trânsito pára primeiro". Embrionário, o pagamento por espaços nas Marginais não é aceito por todos os camelôs, mas muitos só conseguem pôr o carrinho nos recuos das vias expressas "pondo a mão no bolso". Ao fim do primeiro dia na Marginal do Tietê, a ex-manicure Maria Ivanilda de Oliveira, de 39 anos, vomitou. Cinco anos depois, já acostumada com o barulho, a poeira, a fumaça e o cheiro do rio, trabalha até contra a vontade da família. "Meu marido e minha mãe não gostam. Mas vim para cá justamente por causa dele, quando me separei. Precisava sustentar meus filhos. Voltei com ele, mas gosto de ter o meu dinheirinho", diz. "Eu era vendedora, fiquei grávida e perdi o emprego. Minha irmã já estava na Marginal, trabalhando para os outros. Hoje, ela tem o canto dela e eu, o meu. Paguei R$ 200 pelo ponto e, cinco meses depois de ter o mais novo, estava aqui. Estou criando meus filhos assim", comenta Eliane Maria de Oliveira, de 33 anos, mãe de duas crianças e há quatro anos instalada perto da Ponte do Limão. "Alguns já têm dois ou três pontos e botam gente para trabalhar para eles. Mas a maioria trabalha por conta." José Rodrigo de Jesus, de 21 anos, é um dos vendedores terceirizados que passaram a ocupar o subemprego. Migrante nordestino, mora na Favela da Aldeinha, colada à Ponte Júlio de Mesquita Neto, e ganha R$ 20 por dia. O "patrão" dele comanda o ponto de longe. "O ?portuga? é o dono. Se eu vender R$ 100 ou R$ 1 mil, ganho R$ 20 por dia do mesmo jeito. Ele é da favela e me ofereceu o serviço. Eu precisava e topei." Os clientes levam até carregadores de celular, mas os produtos mais vendidos são os alimentos: refrescos e guloseimas doces e salgadas. Como a maioria compra por atacado nos mesmos pontos, em distribuidores do Brás, Barra Funda e Lapa, o preço é praticamente tabelado: refrigerante, de R$ 2 a R$ 2,50; pacote de pipoca doce ou pururuca, a R$ 1,50; amendoim, a R$ 1... "É um trabalho honesto. Melhor do que partir para coisa fácil, se é que me entende", diz Roberto dos Santos, de 48 anos. TOLERÂNCIA ZERO Já o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, pensa diferente e adota discurso de tolerância zero aos ambulantes, na Marginal ou não. "É um problema igual em qualquer lugar. Não tem um tratamento separado (para as vias expressas). Esse comércio provoca trânsito, transtornos e atrai a criminalidade. Quem consome esses produtos tem de se conscientizar de que dá dinheiro para o crime organizado." De 2005 para cá, em toda a cidade, a Prefeitura reduziu de cerca de 6 mil para 4.664 as autorizações para camelôs (TPUs) e suspendeu novas permissões na capital. Em 2008, foram recolhidos 106 mil sacos de mercadorias. Não há balanço específico para as Marginais. "Além da questão social, os ambulantes nas Marginais evidenciam que o trânsito se torna, cada vez mais, um ponto de comércio. Existe porque tem quem compre", diz o engenheiro e consultor em trânsito Luiz Célio Bottura. "Não adianta só combatê-los, trabalhar na conseqüência. A causa da existência deles é o congestionamento", afirma.

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