Receitas são vendidas livremente

Por R$ 70, reportagem comprou duas no centro, já preenchidas e com carimbo falsificado de médica

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Por Rodrigo Brancatelli
Atualização:

A dificuldade em conseguir um remédio de tarja preta reside apenas em uma nota de R$ 50 e nada mais do que 15 minutos de espera. No centro de São Paulo, os populares homens-placa - também conhecidos como sanduíches ou plaqueiros - não só compram ouro e celulares como também negociam receitas médicas para todo e qualquer tipo de medicamento, sem nenhum tipo de controle. "Eu posso preencher para você com o nome do remédio, ou você mesmo escreve antes de ir na farmácia", ensina Francisco, homem-placa que trabalha no cruzamento da Rua 24 de Maio com a Dom José de Barros. Além do receituário, ele também oferece comprimidos de ecstasy por R$ 15. "Faz uma letra bem esquisita na receita que ninguém repara." Francisco, um homem mulato bem magro que está sempre no mesmo ponto da 24 de Maio, não é o único que negocia receituário médico. Enquanto ele oferece seus préstimos sem nenhuma cerimônia, outros plaqueiros chegam e mostram papéis brancos e azuis. "Tá vendo esse aqui? Dá pra comprar um monte de remédios proibidos", diz um homem-placa baixinho, que aparenta ter mais de 60 anos, com uma jaqueta preta que esconde dezenas de receitas médicas. "É para você ou para alguém da sua família? Vai por mim, não tem erro, é só levar e comprar o que você quiser." LOGO DA PREFEITURA É possível até pechinchar o preço. Começa com R$ 50, mas alguns vendedores oferecem "descontos" na compra de mais receitas. A reportagem do Estado comprou duas por R$ 70, já preenchidas pelo plaqueiro com o carimbo de uma médica registrada no Conselho Regional de Medicina (CRM). Com elas, seria possível comprar seis caixas, ou 40 comprimidos, de estimulante em qualquer farmácia - a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) assume que é praticamente impossível para o farmacêutico ter controle sobre as receitas roubadas ou falsificadas. A Assessoria de Imprensa do CRM afirma que os carimbos são todos falsificados, feitos sem conhecimento dos médicos. Para se ter idéia da facilidade, como não há lei que regulamente a fabricação e a venda de carimbos para médicos ou mesmo para juízes, é possível mandar fazer um com o nome de qualquer pessoa por até R$ 10, no próprio centro da cidade. Uma das receitas médicas compradas exibe até mesmo o logotipo da Prefeitura de São Paulo, com o cabeçalho da "Autarquia Hospitalar Municipal Regional Leste - Departamento Hospitalar Municipal Prof. Dr. Alípio Correa Netto". Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou por meio de nota que "o formulário de receitas apresentado não condiz com os padrões do Hospital Alípio Correia Netto, sendo que, entre outros pontos, o logo não confere com o adotado pela instituição. Esses pontos sugerem que o receituário foi alvo de uma falsificação grosseira. A direção do hospital verificou que não há desvio nos receituários impressos, pois os mesmos são objeto de controle permanente. O caso foi comunicado à polícia com a abertura de boletim de ocorrência, para que seja devidamente apurado. A SMS sugere que todos os cidadãos que testemunhem esse tipo de comércio ou identifiquem documentos falsos façam o mesmo. A denúncia da irregularidade inibirá a transgressão, levará à punição dos culpados e livrará a cidade de fraudes que têm como alvo a saúde e o bem-estar". FRASES Francisco Plaqueiro "Posso preencher pra você com o nome do remédio, ou você mesmo escreve antes de ir na farmácia. Faz uma letra bem esquisita na receita que ninguém repara" Secretaria da Saúde "O caso foi comunicado à polícia com a abertura de boletim de ocorrência, para que seja devidamente apurado"

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