Réus alegam cerceamento de defesa e levam escândalo do mensalão à OEA

Donos da corretora Bônus Banval, Breno Fishberg e Enivaldo Quadrado afirmam que Supremo Tribunal Federal do País não acolheu pedido de novo interrogatório de ambos e apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos

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Por Fausto Macedo
Atualização:

O mensalão poderá ter um novo réu, o Brasil. Pelo menos é o que pretende a defesa de dois acusados na ação penal 470, do Supremo Tribunal Federal, que trata do capítulo mais emblemático do governo Lula. Em documento de 10 páginas, Breno Fishberg e Enivaldo Quadrado, ex-diretores e sócios da Corretora de Valores Bônus Banval - acusados de lavagem de dinheiro do esquema envolvendo parlamentares aliados ao Planalto -, apresentam denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) - alegando que o STF não acolheu pedido de novo interrogatório de ambos.A denúncia atribui ao "Poder Judiciário do Brasil violações de direitos humanos" nos autos da ação do mensalão. O texto informa que em 23 de setembro os corretores ingressaram com petição no STF reclamando direito a um "novo interrogatório judicial, como último ato de instrução processual". O pedido foi negado em 7 de outubro.Fishberg e Quadrado - formalmente processados por lavagem e quadrilha - alegam que a Lei 11.719, de 2008, alterou a redação do artigo 400 do Código de Processo Penal, garantindo a todo acusado direito de ser interrogado ao final do processo. Argumentam que o indeferimento de novos interrogatórios viola os artigos 8.º e 24.º da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos e o artigo 2.º da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ao "desrespeitar irrenunciáveis garantias judiciais da ampla defesa e do contraditório".A internacionalização do mensalão poderá arrastar por mais tempo a demanda que colocou no banco dos réus eminências da República. Sediada em Washington (EUA), a Comissão é uma das entidades do sistema interamericano de proteção e promoção dos direitos humanos nas Américas.

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Cisão. "O réu é o Brasil", diz o criminalista Antônio Sérgio de Moraes Pitombo, que subscreve a denúncia em nome dos corretores. Pitombo garante que seu objetivo não é protelar o mensalão. "Isso ninguém pode dizer porque requeri a cisão do processo para reunir em feito separado os acusados sem foro em razão da função, o que me foi negado", pondera o advogado. "A denúncia não é chicana, não há tentativa de protelar. Retrata flagrante violação a direitos assegurados pela Constituição."O Ministério Público Federal sustenta que a Bônus Banval teria sido utilizada pelo empresário Marcos Valério, suposto operador do mensalão, para lavar dinheiro do esquema.Rastreamento indica que R$ 8 milhões foram depositados pela DNA e pela SMP&B, agências de publicidade de Valério, na conta de um cliente da corretora. O dinheiro migrou para outras instituições e foi resgatado por beneficiários do mensalão.Pitombo observa que "político réu é que busca o silêncio como arma". "Neste caso (Fishberg e Quadrado) querem falar, querem se defender depois da construção das provas no processo. Levamos a denúncia à Corte de Direitos Humanos porque acima do STF não há instância. Nosso ordenamento jurídico não prevê recurso destinado a reparar a decisão do plenário do STF. Em outras demandas, o STF já reconheceu o direito de acusados prestarem depoimento no final da instrução processual."O ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão no STF, disse que houve impasse no julgamento do pedido da defesa por novos interrogatórios. "Não tinha, naquele momento, a data em que entrou em vigor (a Lei 11.719/08), nem a data em que encerraram-se os interrogatórios. Pedi suspensão da sessão para colher esses dados. Nos autos há documento que indica que a fase dos interrogatórios já se encerrara quando a defesa fez o pedido."

PARA LEMBRARDenúncias desgastam imagem do PaísDesde que, em dezembro de 1998, o Brasil reconheceu como "obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado" a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA para fiscalizar assuntos brasileiros, o País tem sido cliente regular de suas deliberações.No centro da questão, um tema permanente: a incapacidade do Estado de impor a lei e dar garantias aos cidadãos. Já em novembro de 1999 veio a primeira condenação, por abusos de uma clínica psiquiátrica do Ceará contra um paciente, Damião Ximenes Lopes. A União acatou e indenizou a família da vítima. Em 2001, nova sentença resultante de violência doméstica contra mulheres: Maria da Penha Maia Fernandes tornou-se um caso exemplar de abusos - no caso, do marido. A denúncia desgastou a imagem do Brasil e Maria da Penha virou nome de lei.Em 2009, o governo teve de acatar outra punição, por não ter dado garantias de vida a um agricultor assassinado no Paraná, Sétimo Garibaldi. Nesse mesmo ano, de novo no Paraná, outro caso envolveu grampos e danos morais quando uma juíza autorizou a PM, de forma indevida, a grampear um sindicato rural ligado ao MST.Foi a Guerrilha do Araguaia, no entanto, a razão do mais grave conflito entre Brasil e a CDHI. Parentes de mortos naquele episódio exigiram que o governo brasileiro desse informações e localizasse os corpos dos guerrilheiros. A comissão não só considerou o governo brasileiro culpado (em novembro passado) como ampliou o debate para a questão da anistia. Nesse mesmo novembro surgiu nova denúncia - em tramitação - sobre a morte de três jornalistas, no Rio, em São Paulo e no Rio Grande do Norte.

 

 

 

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