Roseana simulou empréstimo para repatriar US$ 1,5 mi, indica relatório

Sucessão. Operação foi montada legalmente no País, com um prazo de seis anos, mas relatórios do Banco Santos obtidos pelo 'Estado' mostram que o crédito foi pago por meio de um banco suíço cinco dias depois da liberação dos recursos no Brasil

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Por Leandro Colon e BRASÍLIA
Atualização:

Documentos que estão nos arquivos do Banco Santos indicam que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), e seu marido, Jorge Murad, simularam um empréstimo de R$ 4,5 milhões para resgatar US$ 1,5 milhão que possuíam no exterior. Os papéis obtidos pelo Estado - incluindo um relatório confidencial do banco - dão detalhes da operação, montada legalmente no Brasil, com um prazo de seis anos. Os relatórios mostram, no entanto, que o empréstimo foi pago por meio de um banco suíço cinco dias depois da liberação dos recursos no Brasil.O dinheiro foi, segundo os documentos, investido na compra de participações acionárias em dois shoppings, um em São Luís e outro no Rio de Janeiro. O Banco Santos teria servido apenas como ponte para Roseana e Murad usarem os dólares depositados lá fora. É o que o mercado financeiro batiza de operação "back to back".O acordo ocorreu em julho de 2004 entre a governadora, seu marido e Edemar Cid Ferreira, até então dono do Banco Santos, que quebrou quatro meses depois e passa por intervenção judicial até hoje. Afastado do banco, Edemar é íntimo da família Sarney. Foi padrinho de casamento de Roseana e Murad. Os documentos, obtidos pela reportagem com ex-diretores do Banco Santos, reforçam os indícios que a família Sarney sempre negou: que tem contas não declaradas no exterior.Arquivo. De posse dos documentos, o Estado procurou em São Paulo o administrador judicial do Banco Santos, Vânio Aguiar, para se certificar de que os papéis estão nos arquivos oficiais da instituição bancária. Ele confirmou a veracidade dos documentos. "Eu não sabia da existência deles. Mandei levantar e confirmo a existência desses documentos que você me mostrou nos arquivos do banco", disse Aguiar ao Estado. "Foram encontrados na área de operações estruturadas."Os papéis mostram que coube à então secretária de Edemar, Vera Lucia Rodrigues da Silva, informar o patrão do pagamento lá no exterior. "Dr. Edemar. A Esther/UBS confirmou hoje o crédito de 1.499.975,00, aguarda instruções. Vera Lucia", diz mensagem eletrônica enviada por ela às 11h56 do dia 3 de agosto de 2004.A secretária Vera Lúcia refere-se a Esther Kanzig, diretora do banco suíço UBS em Zurique que, segundo ex-diretores do Banco Santos ouvidos pelo Estado, representava os suíços nas relações com Edemar Cid Ferreira. Edemar responde à secretária às 12h47 e mostra que essa era uma prática rotineira do banco: "Vera, proceder da mesma maneira que da vez anterior com a distribuição entre administradores qualificados. Grato, ECF." O Banco Santos não tinha autorização para atuar no exterior e, segundo as investigações sobre sua falência, Edemar usava offshores laranjas para receber recursos fora do Brasil.Liberação imediata. A operação com a família Sarney começou no dia 29 de julho de 2004, quando Roseana e Murad assinaram o contrato de empréstimo de número 14.375-3, no valor de R$ 4,5 milhões, em nome da Bel-Sul Administração e Participações Ltda. Na época, a governadora detinha 77,9% da Bel-Sul e seu marido, 22,1%. O dinheiro foi liberado naquele mesmo dia e investido nos dois shoppings, no Rio e em São Luís.De acordo com o contrato, a empresa deveria pagar ao Banco Santos em cinco parcelas até 27 de dezembro de 2010. Cinco dias depois da concessão do empréstimo, em 3 de agosto de 2004, a Bel-Sul, mostram os documentos, liberou US$ 1,5 milhão para Edemar Cid Ferreira por meio de uma conta no UBS.O Estado teve acesso a um memorando interno, sob o timbre de "confidencial", elaborado um dia depois pelo departamento jurídico, que, conforme confirmou o administrador judicial, está nos arquivos do Banco Santos. O documento, apenas para consumo interno, foi endereçado a Edemar, Rodrigo Cid (filho) e Ricardo Ferreira (sobrinho). Segundo o relatório, "em contrapartida à concessão do crédito no Brasil, a Bel-Sul efetuou o pré-pagamento ao grupo, no exterior, do montante equivalente ao crédito recebido". "No dia 3 de agosto foi confirmado o recebimento do montante equivalente no exterior", relata o documento. "Restando pendente apenas uma diferença de aproximadamente US$ 22.000 (vinte e dois mil dólares) a ser paga para o grupo, confirme liquidação a ser discutida entre ECF e Jorge Murad", diz o memorando, que tem o nome de R. Ferreira no protocolo e a rubrica de "Carol", com data de 5 de agosto de 2004. Carol era uma assessora jurídica do Banco Santos.Acordo. O mesmo documento cita as parcelas que deveriam ser pagas no Brasil, mas faz uma ressalva: "O cronograma acima deverá ser observado pelo grupo na devolução à Bel-Sul, no Brasil, dos montantes lá indicados." Ou seja, indica que havia um acordo para Roseana e Murad quitarem o empréstimo, de forma que não criassem suspeitas no Banco Central, mas receberem de volta, de alguma maneira, os recursos de Edemar.O Banco Santos, porém, quebrou meses depois e a Bel-Sul, sob o olhar do Banco Central, teve de cumprir sua parte - quitou o empréstimo no dia 26 de fevereiro deste ano por meio de Transferência Eletrônica Disponível (TED). Não se sabe, porém, se Edemar, afastado do banco, devolveu dinheiro à família Sarney.

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