Salário em euro e ilusão de viver na Europa atraem mulheres

Paranaense passou dez meses em Portugal sem poder sair de prostíbulo

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Por Keiny Andrade e Rita Amaro
Atualização:

Elas são atraídas pelo dinheiro e pela fantasia de uma União Européia forte economicamente. E, embora a renda em Portugal seja bem menor que em países como Inglaterra, o país é o destino da maioria das prostitutas brasileiras. A facilidade da língua, a fragilidade da fiscalização e a possibilidade de ganhar em euros fizeram M., de 38 anos, e V.M., de 30, pegar a rota Brasil-Espanha-Portugal. Mãe de três adolescentes, M. ganhava R$ 370 como operadora de telemarketing em Maringá (PR). Foi para Braga em 2005 e adotou o nome de Eva. Também mãe de duas adolescentes, V.M. teve vários empregos antes de trocar Goiânia (GO) por Valença do Minho, em 2004. No último, como doméstica, recebia em torno de R$ 300. Além dos euros, Eva viu a oportunidade de fugir do ex-marido, que a espancava e a ameaçava. Após dois casamentos malsucedidos, a oferta do recrutador, vizinho da família, foi uma fuga. Ficou combinado que ficaria com metade do que ganhasse e não teria despesas com comida, moradia e preservativos. Além disso, sua passagem seria paga pela rede num empréstimo. Isso significou um valor 2,5 vezes maior. Eva saiu de Maringá sem quase nenhuma bagagem e dívida de 2 mil. Ao chegar, soube que teria de arcar com todos os gastos, além da alimentação. E não poderia sair. "Era um horror, não tinha tempo para dormir. Às 3 da manhã chegava cliente e nos acordavam." O local, "sujo e imundo", era limpo pelas próprias garotas. Um português alugava o apartamento. O comando ficava com brasileiros, que também viajavam para aliciar mais mulheres. V.M. conhecia uma amiga que havia decidido largar Goiânia e tentar a sorte na Europa. Ela lhe apresentou a recrutadora - uma brasileira dona de boate em Valença do Minho, que pagou sua passagem de 1.040. As duas decidiram ir juntas. "Foi um empréstimo." Ela diz ter pago tudo no primeiro mês. "Paguei trabalhando no bar com porcentagens nas bebidas e programas." Como milhares de brasileiras, Eva e V.M. fizeram a rota São Paulo-Madri. E chegaram a Portugal por terra. Eva entrou com visto de turista e foi orientada a pegar ônibus a Vigo, na Espanha, fronteira com Portugal. Lá, outra brasileira a esperava. Foi encaminhada a um apartamento em Braga, onde havia mais quatro brasileiras. Ao chegar a Barajas com a amiga, V.M. soube que uma terceira brasileira também aguardava para ser levada à boate. "Um táxi apareceu e levou nós três." No local, havia 15 brasileiras. Após pagar a dívida, ela ainda ficou oito meses trabalhando ali. Depois, passou por outras cidades e estabeleceu-se no Porto, onde trabalha como prostituta no centro, durante o dia, numa região de casarões antigos transformados em residenciais, que alugam quarto a 5 por hora. Ela diz cobrar 25 por programa e ganhar em torno de 1,6 mil por mês. "Já dei entrada na minha legalização. Não sei se quero ficar, se trago minhas filhas. Vou ao Brasil no próximo mês. Depois vou decidir." Eva se irritou por não poder sair. Tentou fugir e foi agredida. Sem ferimentos graves, não precisou ir ao hospital, maneira como muitas mulheres são resgatadas. Mas avisou a irmã, no Brasil, sobre onde estava. "Fiquei com medo." Passou dez meses no esquema. Até que ameaçou denunciar todos à polícia. "Comecei a brigar de novo, reclamar. E me puseram na rua." Sem ter aonde ir, recebeu ajuda de duas brasileiras que lhe arrumaram trabalho numa boate de strip-tease. Não era forçada a fazer programas, mas tinha de beber com clientes. Ficava bêbada fácil. Ficou 15 dias e desistiu. Um cliente lhe ofereceu um apartamento em Braga. E pediu 2 mil adiantados. "Paguei e depois de um mês ele pediu o apartamento de volta me ameaçando." De novo na rua, sem dinheiro e precisando trabalhar, outro cliente ofereceu outro apartamento, sem adiantamentos. Lá, ficou um ano e nove meses, atendendo sozinha como massagista e prostituta. Atraía clientes com anúncios nos jornais. "No começo colocava três ou quatro por semana. Quando conquistei bons clientes, colocava uma vez por mês." Cobrava de 30 a 60 por programa, o que lhe dava em torno de 3,5 mil. Eva diz que, após se tornar independente, conseguiu, enfim, ganhar dinheiro. Deixou a prostituição e, em abril, voltou ao Brasil. Segundo ela, ao conseguirem sair do esquema, muitas brasileiras voltam ao País, colocam silicone, fazem plástica e retornam no mesmo trajeto. "É uma vida vazia", resume.

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