São Paulo não resolve 70% dos homicídios

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Por Agencia Estado
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O homicídio em São Paulo é um crime sem solução. Para 69,6% das famílias de vítimas, a morte do parente é um crime ainda não resolvido. As vítimas viviam em bairros com rede de esgoto clandestina e sem bibliotecas, teatros, cinemas e praças públicas. Em quase metade deles nem mesmo havia ronda policial. O assassinato de uma delas a cada quatro era esperado pela família, a metade foi morta na rua e o autor do crime conhecia a família de sua vítima em 39% dos casos. Eles eram quase todos homens, a maioria parda, nascida em São Paulo, sem carteira assinada e se excedia no consumo de álcool. Esse é o retrato dos assassinatos em São Paulo, segundo o perfil que começa a ser traçado pela mais abrangente pesquisa feita sobre esse delito na cidade. O homicídio emerge do levantamento feito pelas professoras Isaura Isoldi de Mello Castanho e Oliveira e Graziela Acquaviva Pavez, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como um crime de pobres contra pobres. Casos que poderiam ser evitados, como diz a pesquisadora Flavia Schilling, com políticas públicas que criassem formas de mediar conflitos, tidos como banais na periferia, como brigas entre vizinhos, discussões familiares que se arrastam por muito tempo antes de se transformarem em um delito, etc. Poderiam ser evitados, mas não são. Surpreendente é a constatação dos pesquisadores de que 46,3% dos bairros visitados, todos nas zonas norte, sul e oeste da cidade, não contam com ronda policial. A pesquisa faz parte de um projeto de desenvolvimento de políticas públicas e é uma parceria entre a PUC e o Centro de Referência e Apoio à Vítima (Cravi), órgão da Secretaria da Justiça e Cidadania que atende parentes de vítimas de crimes de morte, como o menino G.T.S., de 2 anos, e sua mãe, a costureira L.T.S., de 25. O marido de L. e pai da criança foi assassinado por bandidos na zona leste. As conclusões divulgadas na quinta-feira no lançamento do primeiro livro ligado ao projeto (Reflexões sobre Justiça e Violência, o Atendimento de Vítimas de Crimes Fatais, editoras Educ-Imprensa Oficial, 248 páginas, R$ 25,00) são a primeira parte da pesquisa que analisou 3.993 homicídios ocorridos de setembro de 1998 a outubro de 1999 e trabalhou com uma amostra que envolvia 813 famílias de vítimas. Perfis A pesquisa divide-se em cinco itens: o bairro onde ocorreu o crime, a família da vítima, a vítima, como foi a morte e o processo judicial. O primeiro dado importante descoberto foi que a imensa maioria das pessoas é morta perto de onde mora - um mapa foi traçado mostrando a coincidência. O perfil dos bairros mostra que a rede de esgoto de 8,9% é clandestina, 78% não têm centro esportivo e 73,6% não possuem praça pública. O único lazer dessas áreas está relacionado aos crimes: 77% dos bairros tinham mais de quatro bares num raio de 1 quilômetro. O estudo quantifica outra realidade da periferia: a lei do silêncio. Ao todo, 39,7% dos parentes das vítimas conheciam o assassino. "São raros os que os denunciaram à polícia", afirma Graziela. O estudo mostra que 47,7% foram mortos em ruas, 16% na frente de testemunhas e que sua morte era esperada por 24,9% das famílias, porque estavam envolvidos em atividades criminosas ou eram dependentes de drogas ou tinham amizade com dependentes ou bandidos. A pesquisa aponta que 37,9% das vítimas usavam drogas, 58,5% consumiam álcool e, segundo suas famílias, 41% tiveram infância difícil. Ainda 40,7% tiveram a vida influenciada pelas drogas como dependentes ou amigos de traficantes e dependentes. O impacto dos homicídios na sociedade pode ser medido pela quantidade de vítimas que tinha filhos (55,8%) e pelos que não deixaram pensão às viúvas, pois 66% não trabalhavam com carteira assinada. Impunes A impunidade e o medo são outra marca desses casos. Ao todo, 32% dos casos não resultaram em processo judicial porque o assassino não foi descoberto. Para 69,6% das famílias, o caso não foi resolvido porque o assassino não foi preso ou a polícia nem mesmo sabe quem foi o autor do crime. A polícia procurou a família de 76% das vítimas e 32% dos entrevistados não sabiam nem mesmo se a polícia havia instaurado inquérito para apurar o caso e 26% reclamaram das dificuldades encontradas na relação com os investigadores do crime. Por fim, 37,5% das famílias não acompanhavam o andamento do processo judicial. Para as professoras, o medo de represálias foi a principal causa dessa conduta.

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