'Se cometemos erro ou não, a história dirá'

Ao falar da ditadura, a presidente eleita disse valorizar muito a democracia e a liberdade de imprensa e que sua geração teve o mérito de lutar como era possível

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Por Flavia Tavares
Atualização:

ENTREVISTADilma RousseffDilma Rousseff (PT) concedeu ontem sua primeira entrevista coletiva como presidente eleita no Palácio do Planalto, em Brasília. Em quase meia hora, Dilma abordou desde a formação de sua equipe até a reforma agrária, passando pela condenação da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani ao apedrejamento. Confira os principais trechos da entrevista.SAÚDE "Tenho muita preocupação com a criação de impostos. Preferia que tivéssemos outros mecanismos. Tenho visto uma mobilização dos governadores nessa direção, não posso fingir que não vi. Duas áreas vão ter grande destaque no meu governo. Uma é a saúde, a outra, a segurança. A educação está bem encaminhada e os recursos, maiores. Chamo de recursos maiores um cuidado e um empenho maior. No caso, por exemplo, da saúde, precisamos de recursos para completar toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). E está em questão o problema da regulamentação da emenda 29. Para a União é mais fácil do que para Estados e municípios. Então, é necessário que se abra uma discussão com os governadores eleitos."CPMF"Não pretendo enviar ao Congresso a recomposição da CPMF, mas não posso afirmar... Esse país vai ser objeto de um processo de negociação com os governadores. Isso ocorrerá. Aliás, fiquei muito contente, porque recebi uma ligação muito correta e republicana do governador eleito de São Paulo, o nosso governador (Geraldo) Alckmin, em que ele apresentou o que considero a forma correta de relacionamento. Pretendo ter com ele e com os governadores não só da situação, mas da oposição, uma negociação em alto nível. Vou estar atenta para as necessidades deles. Do ponto de vista do governo federal, não há uma necessidade premente (de recriar a CPMF). Mas do ponto de vista dos governadores sei que há esse processo." SEGURANÇA PÚBLICA"Também vamos ter de investir recursos significativos em segurança pública, porque não é possível resolver uma questão de envergadura nacional sem a cooperação entre Estado, município e União. Não é possível sem que a União participe efetivamente com recursos. E sem que a gente dê uma clara prioridade para esta área." MINISTÉRIOS"Não considero que esteja maduro o processo de discussão a respeito dos nomes que integrarão os ministérios e o primeiro escalão da administração. Mas tenho critérios e externei isso no meu discurso. Vou exigir competência técnica, desempenho, um histórico de pessoas que não tenham problemas de nenhuma ordem. Também considero importante o critério político. Faço questão que os ministros tenham vínculos muito fortes com o Brasil e tenham vínculos muito fortes com a política que eu defendo. Não vou anunciar os nomes da equipe de governo de forma fragmentada. Não sou nem doida de dizer que o anúncio será no dia 18 de qualquer mês a tantas horas (risos). Vou anunciar os nomes com muita tranquilidade e vocês serão, sem dúvida, os primeiros a saber. Até porque sei que dependo de vocês para que a população saiba. Agora, não tenho nenhum nome e não cometeria a temeridade de lançar nomes individuais." RELAÇÃO COM O PMDB"Tenho conversado muito com o vice-presidente, Michel Temer, e temos uma convicção: esse é um governo que vai se pautar não por uma partilha, mas por um processo de construção de uma equipe una. Tenho visto por parte do PMDB uma iniciativa positiva, favorável a essa concepção. Nunca o PMDB chegou propondo ou pedindo cargo. Até agora, estão participando do processo de transição como participaram de todo o processo eleitoral, sem conflitos. A liderança do meu vice é muito importante para garantir que haja esse enfoque." SALÁRIO MÍNIMO"Temos um critério de aumento que considero muito bom. Damos o reajuste do salário mínimo baseado na inflação corrente e no PIB de dois anos anteriores. Temos um problema agora que é o fato de que o PIB de 2009 ficou um pouco abaixo de zero, por causa da crise internacional. O Brasil teve uma recuperação muito forte e essa é uma das questões que na minha volta vou debater com o governo. Estamos avaliando se é possível fazer essa compensação. Agora, adianto que num cenário de o PIB crescendo a taxas que esperamos vamos ter um salário mínimo no horizonte de 2014 bem acima de setecentos e poucos reais. Se não tiver nenhuma alteração, já em 2011 ou no início de 2012, ele estaria acima de R$ 600. Vamos fazer esse ajuste." BOLSA-FAMÍLIA"Tenho um objetivo de assegurar cada vez mais que a cobertura das famílias chegue a 100%. Hoje, não são 100%. Depende do critério que se analisa. Não é por culpa do governo federal, porque não somos nós que cadastramos. Houve muitas dificuldades das prefeituras no cadastramento. São elas que cadastram e nós, inclusive, as financiamos para isso. No meu governo, vou buscar 100% de cobertura e um nível maior de benefício proporcional, que seja possível que o País dê para esse conjunto de famílias. Não sei dizer hoje qual será esse reajuste, mas asseguro que ele existirá." NORDESTE"Temos todas as grandes obras de infraestrutura a completar no Nordeste. Temos a integração da Bacia de São Francisco, que vai ser completada em torno de 2012. A Ferrovia Nova Transnordestina também, no final de 2012, início de 2013." REFINARIAS"Outra obra de grande porte é a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Além disso, temos a Clara Camarão. Concluí no governo do presidente Lula também as duas refinarias premium, tanto a do Ceará quanto a do Maranhão, cruciais para o pré-sal. Não podemos exportar óleo bruto, porque perderíamos dinheiro. Temos de ter duas refinarias premium, não por mania de grandeza, como a oposição falou da Petrobrás, mas por estratégia. Quando se refina, o preço do petróleo sobe. Isso permite entrar numa outra área delicadíssima, a petroquímica, em que o ganho é acima de 1.000%."PRÉ-SAL"Essa pauta está para ser discutida e debatida no Congresso. Aguardemos o que vai acontecer. Não posso, sem incorrer numa grave irresponsabilidade, atravessar isso, porque tem um governo e um Congresso no exercício pleno de suas atividades."JUROS"Quando fizemos o PAC 2, como no primeiro, colocamos as variáveis macroeconômicas. Nelas, trabalhamos com um superávit primário de 3,3%; com uma inflação em 4,5%; com uma dívida líquida sobre o PIB caindo de 42% para 38%; e com um PIB de 4,5%. Não estamos trabalhando com os 7,5 ou 8% que pode dar nesse ano. Isso significa a possibilidade de uma convergência da taxa de juro brasileira com as taxas internacionais, mas de forma consistente. É uma projeção de 2011 a 2014."GUERRA CAMBIAL"Todos os países que não são a China e os Estados Unidos percebem que há uma guerra cambial. Numa situação dessas, não há solução individual. Nunca houve. Você pode ter medidas de proteção no seu país, mas quando começa uma política de desvalorização competitiva, da última vez, deu no que deu, na Segunda Guerra Mundial."POLÍTICA EXTERNA"O Brasil progressivamente está virando uma potência regional. O diálogo continua com todos os países do mundo, não só com Teerã. Não temos nenhuma política de agressão, de violência, defendemos a paz. Aqueles que dialogarem conosco em paz serão recebidos em paz. Tenho uma posição bastante intransigente no que se refere a direitos humanos. Essa posição se reflete no plano da diplomacia como opção clara por uma manifestação que conduza a melhoria desses direitos. Não de forma estrondosa. Muitas vezes, para se conseguir melhoras nos direitos humanos, você tem de negociar. No meu governo, não vai haver dúvida a respeito disso."SAKINEH"Sou radicalmente contra o apedrejamento da iraniana. Não tenho nenhum status oficial para fazer isso, mas externo aqui perante vocês que acho uma coisa muito bárbara o apedrejamento da Sakineh. Mesmo considerando os costumes de outros países, continua sendo bárbaro." LUTAS PELA DEMOCRACIA"Eu e o presidente Lula somos de uma geração que lutou em um momento muito específico do Brasil. Tenho um valor muito grande na questão da democracia e da liberdade de imprensa, porque sou de uma época em que a liberdade de imprensa era extremamente subversiva. Uma peça de teatro como a Roda Viva era o cúmulo da subversão. Coisas que hoje achamos naturais não eram naturais. Essa geração sofreu uma coisa terrível que é a restrição do caminho. O caminho era encurtado, pequeno, você não tinha grandes horizontes. A ditadura faz isso contigo. Temos um mérito: nós lutamos. Com a cabeça e com as condições que tínhamos. Se cometemos erro ou não, a história dirá." REFORMA AGRÁRIA"O presidente Lula pediu para a Embrapa fazer uma avaliação sobre o índice de produtividade e definir o que considera tecnicamente correto. Vou avaliar esses dados. No que se refere ao MST, sempre me neguei a tratá-lo como caso de polícia. Não darei margem para um Eldorado de Carajás. Isso também é uma questão de direitos humanos. Mas não compactuo com ilegalidades, com invasão de prédios públicos ou de propriedades produtivas. Temos terras suficientes para continuar fazendo reforma agrária e acho que a nossa política de agricultura familiar é fundamental para se garantir para o assentado e o agricultor familiar uma renda monetária."TREM-BALA"É absurdo achar que o trem-bala não precisa ser feito. Nos anos 80, essa conversa vigorou para o metrô. Diziam que o Brasil não podia gastar em metrô, que é muito caro e havia alternativas como os corredores e o transporte urbano com rodas. Com isso, atrasamos nosso investimento. A mesma coisa para o trem-bala. O investimento é feito pela iniciativa privada e o financiamento a eles não concorre com o investimento em metrôs." D

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