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'Se governo estivesse propondo somente a abstinência sexual, eu seria o primeiro a não concordar'

Fundador do Eu Escolhi Esperar, que defende que os jovens façam sexo só depois do casamento, conversou com o 'Estado' sobre o movimento, como a castidade é visto nos dias de hoje e a defesa da prática feita pela ministra Damares Alves

Por Felipe Resk
Atualização:

SÃO PAULO - Fundador do Eu Escolhi Esperar, Nelson Junior, de 43 anos, abriu mão do título de pastor porque, há anos, já não fala apenas com o público evangélico. Desde 2011, ele e a mulher Ângela Cristina, de 40, estão à frente do projeto que usa as redes sociais para pregar aos jovens cristãos a principal bandeira do casal: sexo só depois do casamento. No governo Bolsonaro, a pauta vive a expectativa de virar política pública.

O Eu Escolhi Esperar começou como campanha na internet, acabou viralizando e virou movimento. Hoje, a julgar pelas mensagens que o líder do projeto diz receber, ganhou a adesão de católicos a muçulmanos. Só no Facebook, são 3,2 milhões. Já no Youtube, o canal reúne mais de 1 milhão de seguidores interessados em acompanhar o casal falando sobre relacionamentos, virgindade e religião.

Nelson Junior, fundador do Eu Escolhi Esperar: 'Eu me sentia muito constrangido. Ser virgem parecia algo anormal, quase como um absurdo, um extraterrestre. E não deveria ser assim' Foto: GABRIEL LORDELLO/ESTADAO

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Ligados à Base Church, comunidade evangélica na região da Grande Vitória, no Espírito Santo, Nelson Junior e Ângela se conheceram na adolescência, namoraram por três anos e casaram em 1998. Nos vídeos, recheados de memes e ensinamentos bíblicos, a dupla aposta na linguagem descolada. “Os jovens estão na internet e algumas igrejas tratam o sexo como tabu”, diz. “Nós oferecemos uma conversa direta e objetiva.”

Fora das redes, o ex-pastor mantém o Instituto Eu Escolhi Esperar (EEE), que desenvolve ações para incluir a pauta da abstinência na agenda da educação sexual. Com eventos em todo o País, a agenda costuma ser abarrotada - o próximo acontece em Brasília, em fevereiro, segundo site do EEE. De férias, Nelson Junior aceitou conversar por telefone com o Estado na tarde de terça-feira, 21. Na entrevista, defendeu a abstinência sexual como opção de vida, mas também a “pluralidade de ideias” e disse ser necessário “abrir uma linha de diálogo”.

Ele sabe que o incentivo à castidade é alvo de contestação de especialistas. Tambémsabe que o debate voltou a ficar quente após a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defender a prática como forma de enfrentar gravidez precoce e proliferação de DSTs no Brasil. “Não queremos convencer o adolescente a mudar de ideia”, afirma.

“Se o governo estivesse se propondo a ensinar somente abstinência sexual, eu seria o primeiro a não concordar”, diz. “Somos a favor da educação sexual abrangente, ampliada e integral. Estamos abraçando o tema social para que se possa incluir, e apenas incluir, a abstinência sexual dentro da educação sexual.”

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

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Por que o senhor decidiu fundar o movimento Eu Escolhi Esperar?

Começou com a história da minha própria vida. Eu e Ângela casamos virgens, então tivemos de aprender a lidar com uma série de situações desde o momento em que tomamos a decisão até chegar ao altar. Foram fatores internos e externos. Ou seja, nossos dilemas, desejos, impulsos; a explosão hormonal que acontece na adolescência. E também aquela pressão social que, muitas vezes, vem em forma de brincadeira. Em rodas de amigos, as pessoas falavam que tinham relações sexuais e eu ficava pensando: “Meu Deus, está todo mundo usando e eu não (risos)”. Eu me sentia muito constrangido. Ser virgem parecia algo anormal, quase como um absurdo, um extraterrestre. E não deveria ser assim.

O sr. cita ter enfrentado pressão social. Houve algum episódio específico?

É mais o constrangimento, o julgamento, o deboche. Uma certa forma de bullying de não ter seu direito de escolha respeitado. As pessoas duvidavam até da nossa palavra: “Vocês são jovens, inteligentes, descolados… Duvido que vocês nunca”. Algumas falavam que a gente ia ter problema no casamento. A gente ficava com aquela pulga atrás da orelha. Será que não é normal? É um transtorno? Vou ter problemas sexuais no meu casamento? Na época não havia internet, quase não tinha informação disponível. Ficava esse misto de coisas por causa das múltiplas falas e dos tabus que rodeiam as pessoas que escolhem a abstinência sexual como estilo de vida, por valor cultural ou por questão de saúde.

No caso do Eu Escolhi Esperar, a motivação é religiosa.

O movimento sim, não posso nem tentar negar isso. Todo nosso conteúdo postado é nitidamente voltado para o público religioso. A audiência é cristã, não é nem evangélica. Eu até tirei o título pastor porque tenho muitos seguidores católicos, espíritas e de outras religiões. Não é de uma igreja. Ele nasceu na internet, sem denominação específica. No nosso canal no Youtube, há comentários de pessoas que são muçulmanas. Ou seja, também assistem ao nosso conteúdo. 

O movimento vai completar dez anos. Como a questão da castidade é vista hoje?

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Hoje, apesar de estarmos na era da informação, é muito visível que a questão de virgindade, da castidade e da sexualidade, de modo geral, ainda são tabu. Ainda é visto com muita desconfiança e, de certa forma, é perceptível que há preconceito sobre o tema. Percebo isso em comentários que eu leio na internet e até mesmo quando alguns especialistas se pronunciam.

Quais tabus o sr. percebe na fala de especialistas?

Que é um retrocesso, que é ultrapassado, que não funciona. Que todos os adolescentes transam. Isso não é uma verdade. Há precipitação de alguns especialistas ao emitir opinião sobre o tema. Gosto muito de ler comentários, de saber o que a população está falando. Também gosto da pluralidade de ideias e do contraditório. Precisamos entrar na fase do amadurecimento de visões pessoais. Neste momento, o debate está aquecido e por isso decidi abrir uma linha de diálogo. Vamos conversar sobre dados, sobre o que a ciência fala a respeito, sobre a Constituição, sobre a importância do Estado laico. Todas essas objeções são válidas, porém precisam ser avaliadas dentro do contexto de conhecer também o outro lado. 

Como tratar do tema da abstinência sexual fora do contexto da religião?

Eu acredito que é possível, já fiz isso em alguns lugares quando fui convidado para falar sobre vida sentimental e sexualidade - e não como pastor. Estou muito seguro que dá para desenvolver um trabalho bacana e mostrar ao adolescente, principalmente entre 12 e 14 anos, que esperar também é uma escolha. É saudável, não há anormalidade. Se você não se sente pronto ou não se sente pronta, está tudo bem. Ele não está sozinho e não precisa se sentir excluído. A espera é uma escolha pessoal, não importa a pressão de terceiros. Tanto a escolha de se guardar quanto a de praticar sexo são pessoais. 

Qual a visão do sr. sobre sexo?

Vou responderde forma religiosa (risos). Eu vejo o sexo como algo belo e, justamente pela beleza que envolve essa relação, acredito que precisa ser valorizado - e não vulgarizado. Nas minhas palestras, eu brinco: “Galera, sexo é bom?! É ma-ra-vi-lho-so”. O pessoal cai na risada. Porém, eu levanto a bandeira da valorização do ato sexual: de dar importância e valor especial. Acho que a relação sexual foi banalizada e, muitas vezes, tratada até de forma leviana. O alto índice de doenças sexualmente transmissíveis é evidência disso. É preciso fazer uma reflexão. O sexo é algo especial e coisas especiais precisam ser reservadas a pessoas especiais, em momento especial. Tudo tem hora e lugar. 

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O sr. fala que abstinência é uma escolha. Há espaço para imposição?

É possível a gente trazer conscientização, sem necessariamente impor uma obrigação. Isso é plenamente possível. Convencimento não é imposição. O nome do movimento já expurga qualquer tipo de imposição: “Eu escolhi”. Não foi a religião que impôs, não foi a igreja que obrigou, nao foi o pastor que proibiu. Foi uma escolha minha.

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, pretende estimular a castidade para enfrentar gravidez precoce e DSTs. Como o sr. vê essa possibilidade?

O que me faz me sentir confortável para me alinhar ao que a ministra Damares está propondo é que já existem políticas públicas para todos os outros métodos contraceptivos, menos para a abstinência sexual. Ela fez a iniciativa e eu achei coerente. O desejo dela me parece muito claro: incluir o tema mas, de forma alguma, excluir as outras políticas. Como movimento, queremos mostrar que é possível fazer o trabalho de forma responsável e abordar o direito individual do adolescente. Estou muito seguro que, quando a sociedade entender a proposta, vai ver que não é uma ameaça e, sim, uma solução a mais.

Como política pública, a abstinência pode funcionar?

Se o governo estivesse propondo ensinar somente abstinência sexual, eu seria o primeiro a não concordar. O instituto, como organização da sociedade civil, defende a educação sexual abrangente. Temos uma comissão formada por médicos e pedagogos para reunir comprovações científicas. No que diz respeito à gravidez precoce e infecções sexualmente transmissíveis, os melhores resultados são quando a abstinência sexual está somada à prevenção secundária, ou seja todos os outros métodos contraceptivos existentes.Quando especialistas declaram que abstinência sexual não funciona é porque eles se baseiam em estudos científicos feitos em lugares que só abstinência sexual foi implementada. Se a gente fizer políticas públicas só de abstinência sexual, não funciona. Os números provam isso e, mesmo que eu defenda a causa, entra a questão da coerência. No debate, a gente deve estar mais preocupado com a ideologia ou com a saúde do adolescente? Eu estou mais preocupado com a saúde do adolescente. Por outro lado, excluir a abstinência sexual, que é o que os especialistas no Brasil querem, também não funciona. Os índices do Brasil provam isso. A defesa que eu faço é de pluralidade: os diferentes métodos funcionam.

O que o sr. pensa sobre os métodos contraceptivos?

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Eu tenho duas filhas. Eu quero que a minha filha de 15 anos conheça e receba informação sobre todos os outros métodos. Informação é poder. Nós precisamos dar o poder de escolha, mas precisamos oferecer o cardápio completo. No Brasil, o que os especialistas querem é que se ofereça só o cardápio do que já está aí, do que eles já conhecem. Qual é o problema de falar com o público adolescente que esperar é uma escolha? Só falta dizer que é crime. 

Foi convidado para conversar com a ministra?

Em maio (de 2019), ela deu uma entrevista bem longa para a BBC, em que falou de conversar com os jovens sobre a abstinência sexual e citou o Eu Escolhi Esperar. Eu me senti muito honrado e gerou no nosso coração um desejo de contribuir. Depois participei de evento em Brasília, sobre direitos humanos, em que ela falou de todos os desafios da pasta. Eu estava em um grupo, era um dos convidados apenas. Vi que era oportunidade de abordá-la, mas, como o evento não era para isso, a ministra falou que marcaria para a gente conversar.Também participei de uma audiência pública, em dezembro, na Câmara. Fui para aprender, ouvir o que o governo tinha a falar. Não há nada conversado entre nós até o momento, mas estou aberto a contribuir.

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