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Segundos finais do pior acidente aéreo do País

Divulgação de dados da caixa-preta ainda não permite definir com certeza causas ou culpas; reações dos pilotos precisam ser mais bem analisadas, para descobrir se houve erro humano, falha no equipamento ou ambos

Foto do author Marcelo Godoy
Por , Eduardo Reina , Marcelo Godoy e Rodrigo Brancatelli
Atualização:

As revelações dos dados das caixas-pretas do Airbus A320 não permitem ainda apontar qual a causa determinante para o acidente que matou 199 pessoas. Muitos fatores podem contribuir para um acidente, como o clima, a pista escorregadia, mas é possível que um deles se torne aquele sem o qual a tragédia não ocorreria. Por enquanto, há duas grandes hipóteses com a qual trabalham os investigadores da Aeronáutica: uma falha humana, que pode ser do piloto ou uma falha ligada ao equipamento eletrônico do avião e sua interação com a tripulação. Eis ainda as principais dúvidas sobre o que ocorreu no dia 17 na pista principal de Congonhas. 1 - O piloto aproximou-se corretamente do aeroporto de Congonhas para pousar? Os dados da caixa-preta de voz mostram que sim. Todos os procedimentos, aparentemente, foram obedecidos 2 - Era possível pousar a aeronave naquela pista com um dos reversos pinados (inoperantes)? Segundo especialistas, sim. Se outro problema não tivesse ocorrido, o piloto conseguiria parar o avião. Antes de se chocar com o prédio da TAM Express, o Airbus prefixo MBK já havia pousado outras duas vezes naquele dia em Congonhas e não havia apresentado nenhum problema. 3 - Mas, então, qual a influência da pista de Congonhas no acidente? Congonhas é o que os especialistas chamam de porta-aviões, não é longa o suficiente para que o piloto tenha tempo de decidir em caso de uma emergência. Isso deve ser considerado um fator contribuinte para o acidente. A pista não tem ainda o famoso over run de 1 mil pés (cerca de 330 metros) com caixa de brita (ou concreto poroso), a chamada área de escape do aeroporto. A falta de grooving (ranhuras transversais na pista para a drenagem) e a chuva, apontados como possíveis causas do acidente logo após a tragédia, não foram a causa do acidente, porque não houve derrapagem, mas podem ser citados pela Aeronáutica como agravante para o aumento da velocidade final do Airbus A-320 da TAM. 4 - O manete da potência das turbinas foi a causa principal do acidente? É possível. Informações da caixa-preta mostram que o manete estava em posição errada e, por isso, a turbina direita do A320 acelerou. O erro na posição do manete pode ter sido causado por uma falha do piloto. Durante o procedimento de pouso da aeronave, os manetes devem ser colocados na posição reverse (potência contrária), auxiliando na frenagem. O manual do A320 diz que o manete da turbina com reverso pinado pode ficar em reverse ou próximo de idle (marcha lenta). O piloto pode ter errado o posicionamento do equipamento. Mas também pode ter ocorrido erro da leitura da posição do manete feita pelo computador do avião. 5 - Quais as conseqüências de um pouso com o manete em posição errada ou com o computador lendo erroneamente a posição do manete em caso de pouso com um dos reversos inoperantes? Uma das turbinas, a que está com o reverso inoperante, vai ganhar potência e acelerar a aeronave. Os freios aerodinâmicos conhecidos como spoilers não vão abrir. Se o piloto havia programado os freios hidráulicos para funcionarem automaticamente - o sistema autobrake -, eles também não iriam funcionar. A causa é simples. É como se a possível posição ou leitura errada do manete fizesse o computador entender que o avião estava arremetendo, aumentando a velocidade do A320 e bloqueando sistemas que fariam o avião parar. 6 - Era possível o piloto arremeter a aeronave em vez de freá-la, como a caixa-preta revela que a tripulação fez? A tripulação, como mostra a caixa-preta do avião, constatou que o spoiler não foi acionado no pouso e houve indicação verbal do co-piloto sobre o problema. Em 2004, quando um A320 se acidentou em Taiwan como o da TAM, o co-piloto disse ao piloto que o spoiler estava ligado por reflexo sem verificar que ele não havia sido acionado, o que aqui não houve. A informação de que a tripulação do avião da TAM sabia da não abertura do spoiler indica que uma arremetida era possível. Nessa situação, o piloto tem de decidir e decidir rapidamente. Especialistas dizem que ele deveria ter arremetido logo que constatou o problema no spoiler. Comparam a situação com a de alguém que está dirigindo um carro e se depara com um animal no meio da pista. É preciso decidir: ou freia na expectativa de que há pista suficiente para o carro parar ou vira a direção para desviar do bicho com o risco de não haver tempo suficiente para o carro inteiro passar ao lado do animal. Ambas as escolhas são igualmente válidas. O que o piloto deve fazer é julgar dois fatores: velocidade e pista. Ele deve pensar o que é mais provável: haver pista suficiente para parar ou pista para alcançar a velocidade para decolar de novo. É uma ou outra escolha, algo que não pode ser chamado de falha, pois não sabemos se, mesmo tendo optado pela arremetida, o avião conseguiria atingir os 140 nós (252 km/h) ou mais que são necessários para decolar. 7 - O piloto tentou desacelerar. Se ele tentou pôr o manete em posição de potência contrária, por que não conseguiu? De fato, a caixa-preta com as vozes dos pilotos mostra que eles tentaram desacelerar o avião. A outra caixa-preta, com dados técnicos do vôo, pode confirmar essa manobra. Ela pode mostrar se o piloto tentou desacelerar, mudando a posição do manete, mas foi impedido pelo computador que não aceitou a manobra. Se isso ocorreu, estará evidenciado uma possível falha no design da lógica do sistema. Seria uma falha humana. Não do piloto, mas do projetista da Airbus. Em 1988, em Mulhouse, na França, um Airbus A320 caiu durante um vôo de demonstração porque o computador da aeronave se recusou a arremeter, conforme o piloto queria. A manobra brusca contrariava a programação do computador. A fabricante mudou seu projeto para resolver esse problema. 8 - Havia tempo suficiente para que os pilotos tentassem resolver a emergência, ou seja, para frear ou arremeter o avião? Ainda não se sabe. Caso a arremetida tivesse sido decidida no momento em que o avião tocou o solo, é mais provável que o piloto tivesse conseguido levantar vôo. Quanto mais tempo essa decisão demorasse a ser tomada, menor a chance de os pilotos terem sucesso, pois menor seria o tamanho da pista disponível para que a aeronave tomasse velocidade. Um reverso pode levar até três segundos para ser recolhido. Já uma turbina demora até sete ou oito segundos para chegar à potência máxima. O avião levou 24 segundos entre tocar no solo e bater no prédio da TAM Express. Três segundos depois de iniciar o pouso, a tripulação percebeu que estava sem o spoiler. Mais seis segundos e, pelos diálogos da cabine registrados pela caixa-preta de voz, os pilotos perceberam que não conseguiriam desacelerar o avião na pista de 1.940 metros de Congonhas. 9 - Mas o que fez o avião sair para a esquerda, atravessar o gramado entre a pista principal e a área de taxiamento em vez de continuar até o final da pista do aeroporto? Podem ter ocorrido duas coisas. A primeira é uma manobra voluntária do piloto. Nesse caso, o co-piloto pediu ao comandante que virasse a aeronave para que, ao entrar no gramado, quebrasse seus trens de pouso e, assim, caísse de barriga no solo para frear. A outra é que o avião tenha virado involuntariamente. Isso seria provocado pela assimetria de potência nas turbinas do avião - enquanto a da direita ganhava força e empurrava o avião para frente, a outra, com o reverso aberto, aumentava o arrasto. O avião estava a uma velocidade tal que já tinha alguma sustentação, pois o trem de pouso da frente estava no ar - ele não deixou marcas na grama - e os trens debaixo das asas não afundaram no solo encharcado. O A320 estava a 175 km/h quando bateu.

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