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‘Sem educação, Brasil terá jovens violentos’, diz Nobel da Paz

Ativista pelo direito dos menores, indiano afirma que País deve priorizar formação de qualidade para adolescentes

Por Jamil Chade
Atualização:
Alerta. 'Jovens estão se sentindo excluídos ou inseguros' Foto: EFE/Martial Trezzini

GENEBRA - O Brasil precisa priorizar a garantia de educação de qualidade e inclusão para os adolescentes do País. Caso contrário, correrá o risco de ver o surgimento de uma geração “frustrada” e “cada vez mais violenta”.

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O alerta é do vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2014, o indiano Kailash Satyarthi, reconhecido, ao lado da garota paquistanesa Malala Yousafzai, por sua luta pelos direitos das crianças e por ter dedicado 40 anos de sua vida para garantir a educação aos menores.

Satyarthi insiste que a educação é a forma de lidar com o trabalho infantil. Em entrevista ao Estado, em Genebra, ele falou dos desafios do Brasil para lidar com sua população jovem. 

Qual a dimensão do trabalho infantil atualmente no mundo?

Eu acredito que 168 milhões de crianças ainda são vítimas de trabalho infantil e, dessas, 85 milhões estão trabalhando em situações extremamente precárias. Cada número tem um ser humano por trás. E, mesmo que uma única criança seja forçada a se tornar escrava, a ela será negada educação, acesso à saúde. Viver em uma situação de medo e violência não é aceitável. O lado bom é que o mundo está prestando mais e mais atenção ao tema.

De que forma?

Nós estamos nos tornando cada vez mais envolvidos, e vimos a diminuição do trabalho infantil. Saímos de cerca de 260 milhões, no final dos anos 1990, para cerca de 168 milhões atualmente. Nós também veremos que o número de crianças fora da escola diminuiu mais de 50% (130 milhões para 58 milhões). Vemos progresso. 

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Mas, apesar do progresso, o problema ainda é muito grande. Quais devem ser os próximos passos nesse combate?

Cada criança importa. Não podemos continuar falando e fazendo planos, investimentos e leis. Temos de agir agora. Não podemos esperar. Eu perguntaria aos líderes mundiais: e se essas 168 milhões de crianças fossem seus filhos? Se fossem aos seus filhos que fosse negada educação, o que vocês fariam? Vocês não ficariam quietos nem por um minuto. Agiriam agora. 

O senhor vê também algum progresso na América Latina?

Definitivamente. E o Brasil é um grande exemplo. Vemos um progresso enorme. Estive no Brasil várias vezes. Vinte anos atrás, quando conheci Cristovam Buarque (ex-governador do DF e ministro da Educação entre 2003 e 2004), ele estava lançando o programa Bolsa Escola, nós discutimos e nos tornamos amigos. Depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Bolsa Família, que implicou em diversos aspectos para a situação das crianças e das famílias. Mas tudo começou com o Bolsa Escola, que foi o primeiro programa de transferência financeira que visava a levar as crianças às escolas e mantê-las distante do trabalho infantil, da miséria e das ruas. É um grande exemplo.

Qual o maior desafio agora para o Brasil?

Acredito que o maior desafio seja em relação à qualidade do ensino e também à exclusão. Os jovens estão se sentindo excluídos ou desconectados e inseguros. Então, como trazer segurança, uma sensação de cidadania global entre os jovens? Isso é possível por meio de uma educação verdadeira e de qualidade. Essa educação deve ser inclusiva.

E quais os riscos se isso não acontecer?

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Eu temo que se uma educação de qualidade não for assegurada, corre-se o risco de que os adolescentes se tornem mais intolerantes e violentos no futuro, caso não tenham outros objetivos positivos e criativos na vida. Esse é um perigo. O segundo perigo que vejo, não apenas no Brasil mas em várias outras economias emergentes, é que a classe média crescente está pedindo ajudantes baratos para seus domicílios. Meninas e meninos estão se tornando esses ajudantes. A população entre 15 e 18 anos precisa receber uma atenção especial. 

Na sua avaliação, qual deve ser a prioridade para um governo como o do Brasil?

A inclusão é o grande desafio, e lidar com a educação secundária, que afeta os adolescentes, é fundamental. Reter esses jovens nas escolas de segundo grau, de qualidade, é uma necessidade. Caso contrário, o sentimento de insegurança pode resultar em frustrações e violência. Isso pode se refletir, no futuro, em instabilidade política. Por isso, a nova geração precisa ser preparada. 

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