Sete em dez homicídios são cometidos em áreas que não terão reforço federal

Mesmo com nº de assassinatos superior, cidades em regiões metropolitanas e no interior não devem receber tropas do Plano Nacional de Segurança

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Por Marco Antônio Carvalho
3 min de leitura

SÃO PAULO - Sete em cada dez homicídios registrados no País anualmente aconteceram em cidades que não receberão qualquer reforço do Plano Nacional de Segurança, iniciativa do Ministério da Justiça para tentar diminuir o número de mortes. A ajuda federal deverá priorizar as ocorrências nas 27 capitais, que somam 30% dos casos totais. Algumas delas, no entanto, sequer estão entre as cem com maior número de casos, como Boa Vista, Florianópolis e Palmas.

São Gonçalo teve mais mortes que oito capitais; pasta não explica critério Foto: Rommel Pinto/Parceiro/Agência O Dia

Na semana passada, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, divulgou as primeiras informações sobre a elaboração do plano, que deverá ser lançado oficialmente no início de dezembro. Ele antecipou que Natal, Porto Alegre e Aracaju deverão receber as primeiras equipes da Força Nacional; essa é a tropa que deverá encabeçar as atividades de prevenção e investigação de homicídios com núcleos nas cidades.

O primeiro anúncio contempla áreas que viram a criminalidade crescer nos últimos anos e essa foi a justificativa dada para priorizá-las. Até março, as equipes devem chegar às outras 24 capitais, incluindo Porto Velho, que teve 197 casos de assassinatos em 2014, Campo Grande (193), Macapá (173) e Vitória (172).

Na outra ponta, o plano não menciona reforço para cidades como Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São Gonçalo, no Rio, Ananindeua, no Pará, Feira de Santana, na Bahia, e Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. Todas essas cidades têm um número absoluto maior de assassinatos do que ao menos oito capitais. 

Se levada em consideração a taxa de mortes por arma de fogo por 100 mil habitantes em 2014, as únicas capitais a figurarem entre as 30 mais violentas é Fortaleza (75,3) e Maceió (77,2); antes das cidades cearense e alagoana, aparecem outras 20 cidades, com a liderança da baiana Mata de São João, com taxa de 102,9.

A decisão de priorizar apenas as 27 capitais foi tomada durante a gestão de Alexandre de Moraes. No Pacto Nacional Pela Redução de Homicídios, plano similar que estava sendo desenvolvido pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo, a ideia era abranger 81 municípios, responsáveis por cerca de 50% dos casos no País.

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Migração. Responsável pela elaboração do Mapa da Violência, relatório estatístico de maior relevância na área, o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz fez ponderações à decisão de começar pelas capitais. Segundo ele, nos últimos dez anos, a criminalidade tem migrado das regiões metropolitanas para novos polos de desenvolvimento econômico, onde tem encontrado menor resistência das forças de segurança. 

“Há um processo de vascularização e a violência chegou a polos até então ‘virgens’, como Ananindeua, no Pará, e Arapiraca, em Alagoas. Isso em tese demandaria uma política simultânea para evitar que o reforço das capitais só sirva para intensificar ainda mais o problema no interior”, disse.

Com a mudança na última década, sustentou Waiselfisz, pequenas cidades se viram na obrigação de modernizar seus aparelhos de segurança. “Nesses locais, a segurança correspondia a outra época, a época onde malandro tinha nome, sobrenome e endereço certo. Agora, tem de lidar com grandes organizações criminosas e as polícias desses novos locais não estão preparadas”, disse.

O pesquisador, apesar disso, elogia a iniciativa diante do cenário de violência e a necessidade de articulação nacional para combatê-lo, mas tem dúvidas sobre a capacidade de financiamento. “O problema é se haverá recursos para se implementar e tornar viável essa política. Não sei se nesta conjuntura de retração econômica, o ministério terá condições de financiamento para fazer o que pretende. São algumas dúvidas que surgem”, acrescentou. Moraes divulgou que contará com R$ 1,4 bilhão para executar a primeira parte do plano.

Para atacar os 58.492 homicídios registrados em 2015, o professor da Universidade do Estado do Rio (UERJ) Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV), pede ações além de investigação policial dos crimes. Cano pesquisou iniciativas de toda a América Latina e divulgou no mês passado relatório com as informações sobre políticas. 

Ele fala em controlar a circulação de armas de fogo, principal meio para cometer assassinatos, além de programas de prevenção para a juventude que habita regiões periféricas das cidades, onde o risco é mais elevado, e o fortalecimento de programas de proteção direta a pessoas ameaçadas e testemunhas. 

“A escolha pelo endurecimento de pena e mais força está claro que não funciona porque tentamos isso a vida toda e estamos nesse ponto. A prevenção não vem pelo tamanho da pena, essa é uma ilusão que a gente continua mantendo”, disse o professor. 

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Questionado pelo reportagem sobre o critério de escolha das cidades, o Ministério da Justiça pediu que se aguarde os detalhes do Plano Nacional de Segurança, “que serão divulgados no lançamento”, previsto para o início de dezembro.