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SP revive ataques do PCC com julgamento e filme sobre facção

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

No dia 1º de outubro, uma quinta-feira, começa em São Paulo um julgamento que deve mexer com os nervos da cidade. Apontados como os principais líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marco Herbas Camacho, o Marcola, e Júlio César de Moraes, o Julinho Carambola, estarão no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste da capital, para serem julgados como mandantes do assassinato do juiz-corregedor de presídios de Presidente Prudente, Antônio José Machado Dias, ocorrido em março de 2003. Eles se encontram presos na Penitenciária 2 de segurança máxima de Presidente Venceslau.No dia seguinte, com o júri em andamento, estreia nos cinemas o longa-metragem Salve Geral, o Dia Em Que São Paulo Parou, que vai relembrar os ataques de maio de 2006 feitos por integrantes do PCC contra policiais nas ruas de São Paulo e agente penitenciários. A data de lançamento do filme coincide ainda com o aniversário de 17 anos do massacre do Carandiru, ação policial que em 1992 provocou a morte de 111 presos na Casa de Detenção.Grandes eventos a respeito de um assunto ainda mal digerido pelos paulistas prometem polêmicas. Salve Geral, dirigido por Sérgio Rezende, mesmo autor de Canudos e Lamarca, deve estar no centro delas. Produção de R$ 9 milhões, o filme, assistido pelo Estado, mostra a história de uma advogada cujo filho está preso nos dias que antecedem a confusão. A revolta do PCC é motivada pela situação degradante dos presídios em um Estado governado por autoridades incompetentes e corruptas. A história cria uma empatia com os rebelados. "Sérgio Rezende vai provocar polêmica. O mínimo de que ele poderá ser acusado é de ingenuidade, ou de tomar o partido do crime", escreveu em seu blog Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do Estado, que também assistiu ao filme. O Ministério da Cultura anunciou sexta-feira que a produção está na lista dos dez filmes brasileiros que concorrem à disputa pela indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. O filme escolhido será anunciado no dia 18.As dúvidas e questionamentos já começaram mesmo antes da exibição. O promotor criminal encarregado da acusação de Marcola e Carambola, Carlos Marangone Talarico, vinha acompanhando com preocupação as notícias sobre a produção de Salve Geral. Já assistiu a Canudos e Lamarca e acha que o diretor criou em ambos personagens míticos. Talarico avalia que, no primeiro filme, o povoado nordestino surge como um embrião de movimentos de sem-terra - o que interpreta como um equívoco. No segundo, o capitão Lamarca surge com um líder político em vez de um estrategista militar."Minha dúvida era saber quem seria o personagem mítico nesse filme sobre o PCC", diz Talarico, que nesta semana vai tentar assistir ao filme. A data da estreia da obra aumentou sua aflição. "Se o PCC aparece como uma facção em defesa dos presos, trata-se de um enorme erro. Cansamos de colher escutas telefônicas. Nas negociações, só ouvimos eles tratarem de roubos, drogas a comprar e vender, pessoas a serem assassinadas. Eles não falam sobre as condições de detentos."O debate também já foi parar na blogosfera. O sargento Lago, atualmente na reserva da Polícia Militar, escreveu em seu blog, a partir do trailer, que o filme vai ser "a revanche do crime". Conforme explicou, depois que Tropa de Elite mostrou o dia a dia do policial, o filme de Rezende vem agora fazer a defesa dos bandidos. "Acho complicado. Não tenho nada contra o criminoso, mas sim contra as ações que eles praticam. Um filme não pode tratar o crime como uma ação normal", afirma, num debate que promete se multiplicar. Por enquanto, os responsáveis pela produção preferem se resguardar, uma vez que poucas pessoas viram a obra. O Estado não conseguiu falar com Sérgio Rezende. O diretor da Downtown Filmes, Bruno Wainer, empresa que distribui o filme em parceria com a Sony Pictures, explicou por escrito que eles só souberam da coincidência das datas na semana passada, depois de serem contatados pelo Estado.Wainer disse acreditar que o filme não traz uma visão positiva sobre o PCC. "A abordagem do filme é como a vida, suficientemente complexa para que cada espectador interprete à sua maneira essa questão." OS ATAQUESTrês anos e meio depois dos ataques, a real dimensão do PCC e os motivos da violência ocorrida naqueles dias ainda são assuntos pouco conhecidos. O ex-secretário de Segurança Pública Saulo de Castro Abreu, que hoje exerce o cargo de procurador de Justiça, diz que nem o tempo o ajudou a compreender totalmente o que aconteceu naqueles dias. "Foi uma atitude sem lógica, já que normalmente criminosos querem distância das polícias. Por isso é imponderável e difícil de ser prevista."Ele salienta dois elementos como motivadores dos ataques: a remoção repentina de 765 líderes da facção à Penitenciária de Presidente Venceslau e a saída de presos em regime semiaberto durante o Dia das Mães, quando ocorreram os ataques. A forma como a televisão e a internet repercutiram na segunda-feira os atentados do fim de semana, como se fossem ao vivo, na avaliação do ex-secretário, serviu para aumentar a sensação de medo. "O Estado soube reagir. Se houve exageros, devem ser investigados. O que não podemos é generalizar as críticas às instituições. Esse costuma ser um viés do cinema brasileiro que não vemos nos filmes americanos." Em Salve Geral, a imagem do chefe de polícia, que negocia com presos e pratica assassinatos para se vingar da revolta, é especialmente negativa.O chamado contra-ataque real da polícia, por sinal, que nos dias que se seguiram aos ataques causou um grande número de mortes em bairros das periferias, passados mais de três anos ainda não foi esclarecido. Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas foram mortas por armas de fogo; 109 eram criminosos ou suspeitos que a polícia afirma terem reagido à prisão; 89 foram mortos por pessoas não identificadas, com indícios de execução. Agentes públicos mortos nos ataques foram 46.O gari Edson Rogério Silva dos Santos morreu assassinado na noite de 15 de maio. O corpo dele foi encontrado em uma rua que ele havia varrido de manhã. Depois de trabalhar com 15 pontos na boca. Testemunhas apontaram policiais como executores, mas o caso foi arquivado. Das 89 vítimas suspeitas de terem sido executadas, em somente cinco casos os autores foram identificados - em três deles PMs foram apontados como responsáveis pelos crimes. "Não quero saber de ficção nesse momento. O que queremos é discutir a realidade", diz Débora Maria da Silva, mãe de Edson, que hoje preside a Associação de Amparo a Mães e Familiares Vítimas de Violência, fundada depois dos ataques. Sobre os riscos dessas ações se repetirem, as autoridades são reticentes. O secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura, Cláudio Lembo, que era governador durante os ataques, diz que o episódio serviu de lição e aponta como resultado positivo a aproximação das inteligências das polícias paulistas, federal e do Exército.Para mostrar as transformações ocorridas na pasta, a Secretaria de Administração Penitenciária lista uma série de avanços, como investimentos no setor de inteligência, que ajudou a reduzir rebeliões e mortes em cadeias, além de identificar lideranças. Para responder ao Estado, preparou um PowerPoint com o título: "Bem diferente da tela do cinema; o que mudou nos presídios de São Paulo desde as cenas retratadas no filme Salve Geral". Até mesmo pessoas apontadas como líderes do PCC tendem a polemizar com a película. O advogado Roberto Parentoni, que vai defender Marcola e Carambola no julgamento, afirma que diversos crimes passaram a ser atribuídos a seus clientes, mesmo sem provas, simplesmente por eles serem apontados como integrantes do Primeiro Comando da Capital. E garante: " O PCC não existe".

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