'Tenho de dar graças a Deus de conseguir enterrar o corpo', diz mulher de vítima de Brumadinho
Jonatas Lima Nascimento era funcionário da Vale há 13 anos e teve a identificação confirmada no sábado. 'Não vão mais existir sobreviventes, só vítimas', lamenta mulher
Por Felipe Resk
Atualização:
Na manhã da tragédia em Brumadinho, o operador de equipamentos de instalação Jonatas Lima Nascimento, de 36 anos, acordou mais tarde e às 5h40 ainda não havia se trocado para trabalhar. A mulher Daihene Nascimento, de 33, até estranhou: “Parecia que ele, inconscientemente, estava enrolando para não ir, sabe?”
Não era o comum. Funcionário da Vale há 13 anos, Jonatas levantava com duas horas de antecedência para o expediente no Córrego do Feijão, que começava às 7 horas – lá era responsável por carregar vagões com os minérios que seriam transportados de trem.
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“Sempre tive orgulho de dizer que ele é trabalhador, decente, honesto. Nunca perdia o horário do ônibus, sabe? Pai de família mesmo, que tem gosto de trabalhar para sustentar os filhos”, diz a mulher.
Ainda de manhã, ele ligou duas vezes para Daihene. Em uma, contou que havia levado por engano a chave dela para a mineradora. Na outra, comemorou que havia assinado o aviso de férias. A notícia do rompimento da barreira 1 da Vale veio por volta de 12h30. Desde então, os familiares perderam contato. “Tentei ligar, não conseguia. Sabia que tinha uma coisa errada", conta.
Preocupada, Daihene tentou falar com colegas e chefes do marido, sem sucesso. Só à tarde conseguiu que um técnico da Vale atendesse o celular. “Ele engasgou... Falou para mim: ‘Meus Deus, eu não posso falar isso não, mas acho que você perdeu ele”, diz. “Corri atrás de notícia, mas não apareceu ninguém da empresa. A falta de informação é um desespero que você não tem noção.”
Só no sábado, 26, o corpo de Jonatas foi identificado pela Polícia Civil após análise de impressão digital. Até o momento, são 58 mortos na tragédia, a maioria ainda sem reconhecimento. Com ele, encontraram apenas um objeto: a chave de casa de Daihene.
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Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
1 / 37Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
Tragédia em Minas Gerais
A Agência Nacional de Mineração (ANM) declarou que a mineradora Vale vistoriou, em dezembro de 2018, estrutura da barragem de Brumadinho sem ter apont... Foto: Washington Alves/ReutersMais
Moradores
É comum ver imagens de moradores de Brumadinho olhando para o horizonte em silêncio Foto: Mauro Pimentel/AFP
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiro recolhe gaiolas no meio do mar de lama da catástrofe de Brumadinho. Foto: Adriano Machado/Reuters
Animais
Equipes de resgate voluntáriastentaramsalvar a vaca que esta atolada na lama de rejeitos de ferro. O animal teve que ser sacrificado. Foto: Wilton Junior/Estadão
Dificuldade no resgate
Bombeiros têm dificuldade de acessar algumas áreas para fazer o resgate dos sobreviventes Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Uma barragem de rejeito se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Lama destruiu estrada em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
A tragédia aconteceu na altura do km 50 da Rodovia MG-040. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
As barragens pertencem à mineradora brasileira Vale. Foto: Washington Alves/Reuters
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiros tentam, sem sucesso, resgatar uma vaca atolada após rompimento de barragem. Foto: Adriano Machado/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Segundo informações do site da Vale sobre as barragens da região, a estrutura que se rompeu foi construída em 1976. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
A prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha distância do leito do Rio Paraopeba, que é um afluente do São Francisco. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), responsável pelo abastecimento de água na região metropolitana de Belo Horizonte, afirmou que não ... Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas GeraisMais
Tragédia em Minas Gerais
Segundo a Vale, a área administrativa, onde estavam os funcionários, foi atingida, assim como a comunidade da Vila Ferteco. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Os bombeiros enviaram equipes com policiais civis e militares, além de enfermeiros e medicamentos. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Kombi foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Casa foi destruída e foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
O governo federal montou um gabinete de crise em Brumadinho. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho observam a lama que atingiu a cidade. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
No município de Brumadinho vivem cerca de 40 mil pessoas. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O rompimento das barragens da Vale aconteceu na tarde de 25 de janeiro de 2019. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O presidente Jair Bolsonaro fez pronunciamento no Palácio do Planalto, em Brasília, sobre a tragédia em Brumadinho. Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão
Presidente Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro observa destruição causada após rompimento de barragem da Vale em sobrevoo a Brumadinho Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Tragédia em Minas Gerais
Voluntários trazem doações para as vítimas da tragédia em Brumadinho. Foto: Paulo Fonseca/EFE
Tragédia em Minas Gerais
Bombeiros retomaram os trabalhos na manhã deste sábado, 26. Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Batalha pela Vida
Bombeiros voltam enlameados após resgate em uma das áreas atingidas pelorompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Minas Gerais. Foto: Wilto...Mais
Estrada
Moradores observam trabalho dos bombeiros em estrada bloqueada pela lama em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Carro atolado
Um carro ficou atolado e destruído no meio da lama após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Helicoptero
Um helicóptero sobrevoa a cidade de Brumadinho, buscando vítimas após o rompimento da barragem Foto: Wilton Junior/Estadão
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho após rompimento de barragem Foto: Washington Alves/Reuters
Corpo encontrado
Bombeiros carregam o corpo de uma das vítimas do rompimeto da barragem em Brumadinho até posto montado em frente da Igreja de Nossa Senhora das Dores Foto: Wilton Júnior/Estadão
Ponte
Ponte arrastada pela lama nas proximidades da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerta/EFE
Área devastada
Área devastada pela lama após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão,de propriedade da mineradora Vale Foto: Wilton Júnior/Estadão
Equipe de resgate
Grupo de resgate caminha sobre a lama em busca de vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, emBrumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerda/EFE
Resgate aéreo
Equipe de resgate usa helicóptero para procurar vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Giazi Cavalcante/Código 19
Para a família, chegaram apenas informações extraoficiais de que Jonatas estaria no centro de carregamento, uma área baixa, na hora do incidente. Por imagens, é possível ver que o local ficou inundado de lama. “Não vai existir mais sobreviventes, só vítimas. Tenho que dar graças a Deus de conseguir enterrar o corpo dele”, afirma a mulher.
O velório aconteceu na manhã de domingo, 27, em Congonhas, cidade natal de Jonatas. “Eu já enterrei ele e até agora não tive uma palavra da empresa. É uma sensação ruim, parece que ele está sendo tratado como indigente. Que era só um número.”
No dia 10 de janeiro, os dois completaram 15 anos de casados. “A gente passou fome junto”, diz Daihene. “Logo que ele entrou na Vale, a gente teve de se mudar para Barão de Cocais, o salário não era grande coisa. Pagamos caminhão de mudança e aluguel adiantado, dias depois não tinha um centavo no bolso e a gente não conhecia ninguém. O lanche que ele ganhava na empresa, ele guardava para mim.”
“O Jonatas era super tranquilo, alegre”, descreve a cunhada Driely Mariely, de 25 anos. “Era quem sempre organizava as festas da família. Não abria mão de um churrasco e de uma cervejinha. Já deixou muita saudade.”
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O casal tem dois filhos: Fernanda, de 10 anos, e Artur, de 6. Após a confirmação da morte, Daihene chamou as crianças para conversar. Os meninos choraram muito, conta. Foi o mais novo quem perguntou: “E o que vai fazer com as coisas do papai? Não quero que doe as roupas dele”, disse. “Quando crescer, quero ser igual a ele.”
'Pelo menos, a gente conseguiu enterro digno'
“Era uma pessoa super dócil, tranquilo. Nunca vi ele entrando numa confusão.” É assim que Virlene Mercês da silva, de 26 anos, descreve o primo Fabrício Henrique da Silva, também de 26, outra vítima confirmada da tragédia de Brumadinho. Entre os familiares, o sentimento é de revolta: “Não vamos deixar impune. Vai ser tudo apurado. Vamos descobrir todos os culpados”.
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Segundo a prima, Fabrício perdeu o pai em um acidente de moto quando tinha apenas 8 anos. O mais velho de quatro filhos, ele assumiu o papel de “homem da casa”, diz Virlene. “Ele tem uma irmãzinha de 5 anos, de outro casamento da mãe: é o maior grude.”
Para ela, a cruzada travada pela família por informações no dia seguinte ao rompimento da barragem retrata o “descaso” com as vítimas. “As famílias chegam ao IML desesperadas, querendo saber de seus desaparecidos, mas não deixam entrar. Eles só dizem para esperar a ligação.”
Fabrício gostava de jogar vôlei e futebol, de malhar e de brincar carnaval, segundo conta Virlene. “Era um irmão, meu amigo confidencial”, diz. Na Vale, trabalhava na área de mecânica. “De todos os ruins, a gente pelo menos conseguiu dar um enterro digno a ele.”
Na cidade, todos conhecem alguém que morreu ou está desaparecido. Só Virlene é próxima de outras sete pessoas, entre elas o cunhado Edirley Antonio Campos, de quem ainda não se tem notícia. “A gente não sabe se está vivo ou se está morto”, conta. Segundo Virlene, Campos é casado e tem uma filha de 3 anos. “Cada tempo que passa a esperança é menos e menos.”