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TJ volta atrás e decide libertar pichadora

Anteontem o Tribunal paulista havia negado habeas corpus, mas ontem, sem recurso da defesa, assunto foi colocado novamente em pauta

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Numa decisão que surpreendeu até os advogados da defesa, a 14ª Vara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) decidiu no fim da tarde de ontem conceder habeas corpus para libertar a artesã Caroline Pivetta da Mota, de 23 anos, reconsiderando a decisão tomada no dia anterior, quando a liminar havia sido negada. Caroline foi presa na noite do dia 26 de outubro, depois de participar do ataque de pichadores à Bienal de São Paulo. Sem que houvesse qualquer recurso por parte da defesa, os desembargadores recolocaram ontem o assunto em pauta e dessa vez votaram favoravelmente à liberdade de Caroline. "Foi uma medida inusitada. Mas o que importa é a decisão", disse o advogado Augusto de Arruda Botelho, que assumiu o caso esta semana e ontem havia viajado à Brasília para recorrer no Superior Tribunal de Justiça (STJ) da decisão tomada pelo tribunal paulista na quarta-feira. Durante os 55 dias que ficou presa, ela teve negados dois pedidos de liberdade provisória sob a alegação de que havia contradição nas informações dadas a respeito do endereço onde morava, dúvidas que foram sanadas no decorrer do processo. A negativa do TJ em conceder um habeas corpus na quarta-feira havia sido a segunda derrota da defesa na segunda instância. Caroline ficou presa na Penitenciária Feminina de Santana e dividia a cela com uma mulher condenada por roubo qualificado. Seguia a mesma rotina das demais e reclamava à mãe a aos advogados da desproporção da pena que estava pagando. Até o começo da noite de ontem, ela continuava presa porque os defensores não tiveram tempo hábil para conseguir o alvará. Ela deve sair na manhã de hoje. Comprovante Para a Defensoria Pública, que atuou por pouco tempo no caso durante a fase em que Caroline trocava de advogados, a prisão foi emblemática por evidenciar um problema crônico da Justiça paulista: a exigência de comprovante de residência e de emprego para conceder liberdade presos em flagrante mesmo em caso de crimes leves. A defensora pública Daniela Skronov de Albuquerque, que atua junto ao Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), afirma que 99% a 100% das decisões dos juízes negando liberdade provisória mencionam a falta desses comprovantes. "Além de não ser uma exigência legal, isso acaba prejudicando a parcela mais pobre da população, que muitas vezes vivem em moradias informais ou em casas que não estão registradas no próprio nomes ou ate mesmo moram na rua, etc. Por isso, essa parcela da população costuma permanecer mais tempo presa", diz a defensora. Segundo a Defensoria, neste ano, dois moradores de rua ficaram presos por seis meses, depois de furtarem duas alças enferrujadas de um caixão, por não terem residência fixa. Em outro caso, um jovem ficou preso por um mês depois de furtar um pé de alface crespo no valor de R$ 0,60 e dois sucos em caixinha no supermercado. Em boa parte dos casos, segundo os defensores, a palavra do acusado não serve como garantia. "Inverte-se a lógica da presunção de inocência. O que ocorre é a presunção da mentira e da fuga. Eles acabam aplicando uma quimioterapia para cuidar da gripe", diz Daniela. Como resultado dessa postura do TJ paulista, que os defensores consideram conservadora, uma grande quantidade de vitórias acaba vindo das instâncias superiores. Segundo estudo feito pelo Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública, 75% dos cerca de 5 mil habeas corpus conseguidos este ano pelos defensores vieram do STJ. A advogada Sonia Drigo, integrante do grupo de trabalho Mulheres Encarceradas, diz que poucas fez viu uma pena tão desproporcional ao crime cometido. "Se ela for condenada, a pena não será prisão. Como pode ficar presa tanto tempo".

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