Trabalho vai além de números isolados

Cenário

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Por Roldão Arruda
Atualização:

A partir de séries estatísticas isoladas é possível contra-argumentar que o quadro de conflitos agrários no governo Lula não é tão dramático quanto indica o estudo baseado em números da CPT. Afinal, o número de invasões de terras vem diminuindo e o volume de assassinatos decorrentes dos conflitos caiu drasticamente. No ano passado foram registradas 25 mortes - número lastimável, mas muito inferior à média anual de 130 mortes que se verificou no início da redemocratização, entre 1985 e 1990.O trabalho apresentado ontem, porém, vai além dos números isolados. Ele registra um crescente estado de mal-estar, decorrente de tensões acumuladas - e que ganharam corpo com a ascensão de Lula ao poder. Especialmente nos primeiros anos do mandato. O Estado registrou mais de uma vez em 2003 e 2004 que o trabalho de arregimentação dos movimentos ligados à defesa da reforma agrária ganhou notável impulso na periferia das grandes cidades com a informação de que o presidente promoveria uma reforma agrária em larga escala. Era quase certo que quem acampasse ganharia o seu lote de terra e um pouco de dinheiro para se instalar.Se, de um lado, as promessas inflamaram o entusiasmo dos sem-terra, do outro assustaram os proprietários rurais - que já haviam sido assombrados com uma impressionante onda de invasões na primeira fase do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.As promessas de reforma agrária não se concretizaram, mas, a partir dali, as tensões só aumentaram - como registra a pesquisa divulgada agora pela CPT. Um dos claros sinais disso foi o permanente embate no Congresso, onde só neste governo já foram instaladas três comissões para discutir a questão dos conflitos agrários. Uma delas ainda está em curso.Outra informação relevante para se entender o que está acontecendo é que o Estado que, proporcionalmente à sua população, apresenta o maior índice de violência no campo é Mato Grosso. Em segundo lugar aparece Mato Grosso do Sul - segundo um levantamento conduzido também pelo pesquisador Carlos Walter Porto-Gonçalves, assessor de estudos da CPT e professor da Universidade Federal Fluminense.Os dois Estados figuram na linha de frente do agronegócio brasileiro, em termos de avanços tecnológicos, produtividade, negócios com o exterior. É por ali que se realizam hoje grandes negócios na área de produção de grãos, cana-de-açúcar e carne. Mas também é por ali que ganham corpo reivindicações de grupos indígenas, de sem-terra, quilombolas, que se dizem espremidos pelos grandes empresários rurais.Diante do número de famílias envolvidas nesses conflitos (cerca de 13 mil foram despejadas de áreas invadidas no ano passado), é difícil negar a existência de um impasse - que pode engrossar ou diminuir, a partir das medidas que foram adotadas pelo atual governo e do que lhe suceder, a partir do ano que vem.

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