Tráfico atrasa remoção de favela

Criminosos dificultam a reurbanização de área do Jardim Edite, na zona sul de SP, com ameaças e sequestros

PUBLICIDADE

Por Diego Zanchetta
Atualização:

Em um das áreas mais nobres da zona sul de São Paulo, bem ao lado da Ponte Octavio Frias de Oliveira e dos prédios envidraçados do Brooklin, traficantes vêm tentando impedir a reurbanização da Favela do Jardim Edite, usando de ameaças de morte e até de sequestros. Os crimes foram relatados à Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público Estadual (MPE). Para construir dois conjuntos habitacionais na área onde hoje está a favela, a Secretaria de Habitação (Sehab) precisa realocar, por 18 meses, 365 famílias em imóveis da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) no Campo Limpo, também na zona sul, conforme decisão judicial de abril de 2008. Mas os traficantes não querem sair de uma área nobre onde criaram um "drive-thru" de drogas. Segundo o MPE, os criminosos estão ameaçando moradores que aceitaram a remoção e o bolsa-aluguel de R$ 500 pago pela Prefeitura. A promotora Cláudia Beré decretou sigilo nas investigações para preservar os moradores. A Secretaria Municipal de Habitação, em nota oficial, confirmou as ameaças a "integrantes da equipe" que realizam a remoção. Desde junho de 2008, quando começaram os trabalhos de retirada das famílias, por duas vezes a Sehab paralisou os trabalhos, por causa da ação dos traficantes. A remoção só foi retomada no fim de janeiro, com o apoio da Polícia Militar, após o sequestro de uma assistente social e de um líder comunitário. "Quando começaram a chegar as denúncias, nós optamos por não acionar a polícia, porque os próprios assistentes queriam manter uma relação de credibilidade com a comunidade. Mas, com o sequestro da assistente, tanto nós do MPE como a Prefeitura achamos por bem acionar a PM para ajudar na intervenção. Três suspeitos já foram presos e as remoções voltaram. O Estado precisa mostrar soberania diante da gravidade da situação", afirmou a promotora. À assistente social, que ficou sob a mira de revólveres durante mais de dez horas, em uma favela vizinha no Real Parque (região do Morumbi), os traficantes avisaram que não querem sair da região. Ela foi liberada no fim do dia - sem ferimentos. Do líder comunitário, que havia concordado com a remoção temporária, em acordo com a Defensoria Pública do Estado, os traficantes exigiram que mudasse de posição. Ele ficou dois dias sob o poder do tráfico local, que o liberou também sem ter feito agressões. Coincidência ou não, parte das famílias que já havia aceitado a remoção desistiu após as ameaças relatadas ao Ministério Público. "As famílias mudaram de opinião e, por isso, a Defensoria saiu do caso. Houve uma quebra de compromisso. Elas já haviam aceitado a remoção temporária e depois mudaram de ideia", afirmou o defensor Carlos Loureiro, coordenador do Núcleo de Habitação. Para a promotora, a mudança de opinião se deveu ao tráfico. "As famílias não mudaram de opinião, elas foram acuadas", acredita. RELATO Uma ex-moradora da favela contou à Justiça ter sido ameaçada pelos traficantes dois dias antes de mudar para o conjunto do Campo Limpo. "Dois traficantes do Real Parque bateram no meu barraco umas 19 horas. Meu marido ainda não tinha chegado, estava só com meu menino mais novo, de 4 anos. Um deles tinha um revólver na cintura. Eles disseram que eu não deveria me mudar de jeito nenhum, que a favela era uma conquista da comunidade e a Prefeitura queria acabar com tudo. E disseram que quem saísse iria ter de ?aguentar depois?. Eu fiquei com medo, mas mudei mesmo assim, não quero voltar nem quando os apartamentos ficarem prontos", relatou a moradora de 36 anos. Na tarde de ontem, funcionários da Sehab e de uma construtora faziam a demolição de alguns barracos já desocupados. A Polícia Militar, porém, não estava nas vielas da favela acompanhando o trabalho dos funcionários. A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou que mantém policiamento constante com viaturas da Força Tática e da Rocam. Quatro homens da PM a pé ficam na favela 24 horas por dia, segundo informou a assessoria. A secretaria, porém, diz não ter sido notificada sobre os casos de ameaças e de sequestros na região. FRASES Cláudia Beré Promotora "Quando começaram a chegar as denúncias, nós optamos por não acionar a polícia porque os próprios assistentes queriam manter uma relação de credibilidade com a comunidade. Mas, com o sequestro da assistente, tanto nós do MPE como a Prefeitura achamos por bem acionar a PM para ajudar na intervenção. Três suspeitos já foram presos e as remoções voltaram. O Estado precisa mostrar soberania diante da gravidade da situação" Ex-moradora "Dois traficantes do Real Parque bateram no meu barraco umas 19 horas. Um deles tinha um revólver na cintura. Eles disseram que eu não deveria me mudar de jeito nenhum. E disseram que quem saísse iria ter de ?aguentar depois?"

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.