Tráfico usa refugiados no Brasil para levar droga para a Europa

Desde o início do ano, a PF prendeu 23 imigrantes pelo crime em Cumbica - todos haviam pedido benefício ao País anteriormente

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:

Traficantes de drogas têm usado a Lei de Refúgio brasileira para cooptar estrangeiros e abastecer com cocaína rotas internacionais para a África e a Europa. As novas “mulas” são em sua maioria africanos que, ao ingressar no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo, pedem autorização para permanecer no País.

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Só entre 1.º de janeiro e sexta-feira, 12 de junho, a Polícia Federal prendeu 23 imigrantes por tráfico de drogas no aeroporto - todos haviam entrado no País como refugiados. São estrangeiros que fizeram o pedido no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e aguardavam pela decisão brasileira de acolhê-los ou não. Com eles foram apreendidos 83 quilos de cocaína.

Flagrantes com refugiados eram inéditos até o começo deste ano. Surgiram em meio a um forte crescimento das correntes migratórias para o Brasil. A delegacia da PF em Cumbica recebeu, também entre janeiro e sexta-feira, 12, 170 pedidos de refúgio - em todo o ano passado, foram 139 solicitações, ante 69 em 2013. 

A mais recente prisão de um refugiado a serviço do tráfico internacional foi feita na sexta-feira, 12. Um nigeriano de 28 anos, com 4 quilos de cocaína escondidos em dois pacotes, no fundo falso da mochila, pretendia embarcar para Lagos, na Nigéria. Ele entrou no Brasil em dezembro, quando solicitou o refúgio no Conare. 

O perfil do jovem é semelhante ao dos demais presos por tráfico em Cumbica, segundo policiais federais. Ao todo, 20 dos detidos são da Nigéria - os outros três são do Haiti, da República Dominicana e da Tanzânia. “Esses presos são como as mulas comuns. É quem está na ponta, muito pobre, em situação de muita vulnerabilidade”, diz o defensor público da União Daniel Chiaretti, responsável por acompanhar a situação dos refugiados em Cumbica. 

O uso da Lei 9.474/97, que implementa o Estatuto dos Refugiados de 1951, por criminosos preocupa o chefe da PF no aeroporto, delegado Antônio Castilho. “É uma lei fantástica, que salva vidas, mas que tem sido usada de forma incorreta”, diz.

Processo. De acordo com o estatuto, qualquer viajante que chega ao Brasil, independentemente da situação, e pede refúgio, deve ser levado por agentes federais ao Conare, órgão que vai avaliar a concessão da proteção. Por entender que o solicitante vem de uma região com graves violações de direitos humanos, a lei prevê que o benefício vale até para quem chegou com documentos falsos. O solicitante aguarda a decisão do Conare em território nacional, o que pode levar até seis meses. 

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O delegado Rodrigo Weber de Jesus, encarregado do Setor de Imigração em Cumbica, relata, no entanto, que, dos pedidos homologados ali neste ano, “em apenas um caso o solicitante desceu do avião e já pediu refúgio”. “Era uma família vinda da Síria (país em guerra civil e em confronto com o Estado Islâmico). Os demais só fizeram o pedido depois de ficar no conector”, conta. Conector é a área para onde são levados os viajantes que, por questões burocráticas, não podem seguir sua rota nem deixar o aeroporto. É um local de trânsito, sem camas, mas com banheiros e chuveiros. 

Palavra mágica. Para policiais federais, a lei brasileira para refugiados foi “descoberta” por coiotes que fazem tráfico de seres humanos da África para os Estados Unidos, com São Paulo como escala de voos. “Refúgio é uma palavra mágica. O viajante diz que quer refúgio e, mesmo se estiver com passaporte falso, sai”, diz um agente de Cumbica. 

“O que se vê é que o imigrante não consegue seguir viagem, ou porque a companhia aérea o barrou ou porque foi enganado, com um bilhete falso. Ele, no entanto, não se apresenta à PF. É orientado pelo coiote a pedir refúgio para sair do aeroporto, porque, se declarar que quer trabalhar, não pode. Nós temos de homologar o pedido”, conta um policial federal. “Aí, ele pode circular livremente no País e sair daqui depois”, diz. 

O método dos coiotes teria sido, então, adotado também pelos traficantes de drogas, segundo a avaliação dos policiais federais. Pelo Código Penal, o tráfico de pessoas é crime no Brasil se relacionado à exploração sexual. Além disso, os coiotes usam a deep web - rede na internet que não permite rastrear o usuário - para falar com seus clientes e vítimas que estão no aeroporto e fazem com que as negociações aconteçam sem a repressão adequada - a prisão só acontece durante a partida para o voo, quando há droga na bagagem.

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Acolhida. Ao serem detidos em flagrante, os solicitantes de refúgio perdem os benefícios que usufruíam e aguardam julgamento como detidos comuns. Todos os 23 esperam decisão judicial na Penitenciária de Itaí, a 287 quilômetros da capital, destinada a estrangeiros. Eles têm sido assistidos por defensores públicos da União. 

A preocupação das autoridades brasileiras, entretanto, é de que a ação dos coiotes no conector possa estigmatizar os refugiados que vivem no Brasil, associando essas pessoas a atividades criminosas. Atualmente, são 7.289 vivendo no País com refúgio concedido pelo governo, segundo a agência da Organização das Nações Unidas para refugiados (ACNUR). 

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