Tragédias das chuvas criam marca duradoura de destruição no Sudeste

Número de mortes na região chegou a 164 nesta semana; especialistas apontam necessidade de ampliar áreas verde e investir em moradias populares

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Por José Maria Tomazela e Priscila Mengue
3 min de leitura

SÃO PAULO - Para muitos dos que sobreviveram aos temporais que caíram no Sudeste neste verão, a chuva ainda não acabou. Mesmo após a estiagem, as histórias se repetem: o desafio agora é superar a perda de parentes, da casa ou do ganha-pão, levados nas enchentes ou nos deslizamentos. 

Os números ilustram o tamanho da tragédia. Neste verão foram pelo menos 164 mortes nos quatro Estados - São Paulo, Rio, Minas e Espírito Santo. É o dobro do que foi registrado no ano anterior (82), segundo dados das defesas civis estaduais compilados pela reportagem.  O total de desabrigados passa de 87 mil. O Estado ouviu histórias de vítimas dos quatro Estados, afetados de diferentes maneiras. 

Moradores ajudam bombeiros que trabalham no local onde um bombeiro morreu, na cidade de Guarujá Foto: WERTHER SANTANA/AE

Nesta semana, a Baixada Santista entrou na lista. Até este domingo, 8, os bombeiros já haviam encontrados 42 corpos em Guarujá, Santos e São Vicente. Outros 36 continuam desaparecidos, conforme a Defesa Civil Estadual. A maioria das vítimas foi soterrada em deslizamentos em áreas de risco. O número atual de desabrigados é de 329 em Guarujá e 185 em Santos. O Estado de São Paulo tem mapeadas 665 áreas de risco para desastres naturais. Esses locais estão distribuídos em 313 dos 645 municípios paulistas, de acordo com a Defesa Civil. 

Segundo especialistas, a tendência é de que as chuvas extremas e os desastres relacionados aos temporais fiquem cada vez mais comuns nos próximos anos, diante das mudanças climáticas e de problemas urbanísticos das grandes cidades, como pouca permeabilidade do solo e sistemas de drenagem ineficientes.  “A prioridade zero é haver mudança de mentalidade, tanto por parte do poder público e agentes privados quanto da sociedade em geral”, diz Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Em alguns casos, dirigentes têm responsabilizado a população O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), por exemplo, disse que  "tem certas coisas que o cidadão tem de fazer por si mesmo" para evitar mortes e acidentes em dias de forte chuva. Ao visitar Realengo, na zona oeste carioca, uma das regiões mais afetadas pelos temporais no início do mês, Crivella disse que "a culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente". Ele disse também que os cidadãos escolhem morar em áreas de risco "porque gastam menos tubos para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo". No dia seguinte, ele afirmou ter se expressado mal e pediu desculpas. 

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Para Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), é preciso apostar em moradia popular. “A população pobre hoje é empurrada para áreas de risco, onde vai encontrar um metro quadrado em condições de ser comprado ou alugado barato”, diz.  “Tem que haver programas habitacionais que ofereçam, à população mais pobre, moradias dignas e seguras.”

O geólogo ainda critica gestões municipais que têm investido em sistemas de alarme como principalmente ação para lidar com enchentes e deslizamentos. “É uma medida de caráter emergencial, enquanto outras mais estruturais deveriam estar sendo levadas a efeito. É uma coisa cruel com a população tocar uma buzina às 3 horas da madrugada no alto do morro, para idosos crianças, gestantes, descerem ladeira abaixo para não morrer."

Segundo Caldana, investir em saneamento e mais áreas verdes é uma estratégia importante. “A arborização não é só enfeite. Muda completamente o clima, altera a velocidade das águas (por ser permeável) e baixa a temperatura”, afirma. "Temos que perceber o seguinte: não é uma ação isolada que vai resolver. Os problemas somos nós, não são as chuvas.”

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