Tristeza marca enterro de menina vítima de bala perdida

Taxistas negaram-se a levar parentes de vítima ao saber que destino era o morro

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Por Agencia Estado
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"A gente que mora no morro não tem sonho", disse nesta terça-feira a faxineira e empregada doméstica Edna Ezequiel, 31 anos, pouco antes de enterrar o corpo da filha Alana, no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju, zona norte do Rio. Foi uma resposta a um jornalista que havia perguntado qual era o sonho da menina, que completaria 13 anos nesta terça-feira e que morreu na madrugada de domingo ao ser baleada no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, zona norte. O incidente ocorreu após Alana deixar a irmã Jenifer, de 2 anos e 7 meses, em uma creche. No enterro de Alana, a mãe Edna precisou do apoio dos outros três filhos, Maria Alice, de 6 anos, Michael, de 10, e Carlos Alexandre, de 16, para conseguir ficar em pé. A cerimônia foi marcada por choros de criança, gritos por Justiça e pessoas responsabilizando a Polícia Militar pela morte da menina. "Ela não vai voltar, estou arrasada, não consigo comer. Eu quero Justiça, quero saber de onde veio essa bala que matou a minha filha", disse Edna. "Não dá para criar os filhos para que outros matem. Por que eles fizeram isso, tiraram ela da gente? Depois as pessoas esquecem, aí vem outra criança. Virou rotina, quem paga são elas". Sofrimento Após o enterro, mais sofrimento. Dois taxistas estacionados na frente do cemitério recusaram-se a levar Edna e os filhos para casa, quando souberam que o destino era o Morro dos Macacos. "Lá no morro eu não vou", disse o dono do Palio placa LCY-8140. O dono do Santana placa LBG-1063 trancou o carro e saiu de perto. "A gente está pagando, que discriminação é essa? Acabamos de enterrar uma criança. É porque a gente mora no morro?", reagiu o ex-padrasto de Alana, o guardador de carros Clodoaldo Costa. Não adiantou. A família seguiu andando, até conseguir outro taxi perto da Avenida Brasil. Um carro de reportagem levou parte da família. A professora Solange de Mendonça é diretora do Centro Integrado de Educação Pública Salvador Allende, no morro Pau da Bandeira, onde Alana estudou da educação infantil até a antiga 4.ª série. "Era uma menina meiga, muito doce. Uma criança excelente". A cerca de 100 metros da escola municipal Assis Chateaubriand, em Vila Isabel, onde Alana estudava, um grupo de meninos aparentemente carregava pistolas e um fuzil, na rua Armando de Albuquerque. "Isso aí é todo dia. Eles fazem a contenção, para impedir a entrada da polícia. É bom vocês não se arriscarem, esses pivetes cheirados são capazes de qualquer coisa", disse um policial que trabalha na carceragem da Polinter, ao lado da escola. A diretora não quis dar entrevista. No entorno do Morro dos Macacos, nenhum carro de polícia. Alana era uma menina divertida, caprichosa, estudiosa e responsável, que gostava de cantar, segundo o relato de parentes. "Ela me ajudava em tudo. Nem doente ela ficava", disse a mãe. "Ela sabia que a gente é pobre, nunca pedia nada. Sempre se conformava com o que tinha." Segundo padrasto, Alana queria ser advogada. "Você sabe o que é perder uma filha? Sou trabalhador", disse Costa, o mais exaltado, que se jogou no chão e gritava muito. "Quem matou foi o caveirão. A polícia é covarde. Esse (governador) Sérgio Cabral Filho é um f.d.p." Foram levadas para o cemitério faixas e cartazes com frases como: "Governador, até quando serviremos de escudo em suas operações?". Mãe de um menino de 16 anos assassinado em 2002, Márcia Jacinto foi ao cemitério prestar solidariedade à família. Ela afirma que dois policiais militares foram denunciados pelo crime. "A gente não tem mais direito de sonhar. O que aconteceu com o João Hélio foi uma tragédia, mas o que acontece com a gente nas favelas também é", afirmou. Durante o enterro, vizinhos contaram que estão com medo. Medo "Eles (os policiais) voltaram à noite. Minhas filhas, de 7 e 12 anos, não dormem direito e estão com medo de ir para a escola", disse uma mãe. "Isso nunca acontece com filho de prefeito, governador e presidente. Quando acontecer, eles vão tomar uma atitude. Nem todo mundo que mora na favela é bandido", disse a tia de Alana, Ednéia Silva. O exame para saber de que arma partiu o tiro que matou Alana ainda não foi concluído. No dia do crime, o comandante do 6º Batalhão da PM, coronel Roberto Lima, afirmou que a ação, realizada no início da manhã, em horário de saída para o trabalho e para a escola, foi planejada. "Verificamos que entre 6h e 7h30 é um horário de ausência de moradores e coincide com a hora dos assaltos", disse. Procurada pela família, sem dinheiro para enterrar a filha, a Santa Casa de Misericórdia não cobrou. "A família não pagou nada. A Santa Casa mandou fazer um enterro de primeira, de graça", disse Paulo Rodrigues, que administra o cemitério há 51 anos. Segundo ele, o custo seria de R$ 800. Edna nasceu e foi criada no Morro dos Macacos. E agora? "Eu não tenho para onde ir. Não tenho dinheiro. Temos que continuar morando lá".

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