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Tumulto marca primeiro dia de visitação pública ao Carandiru

Por Agencia Estado
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Às 14 horas em ponto, a multidão concentrada na porta da Casa de Detenção de São Paulo começou a pressionar: "Abre, abre!" Eram mulheres com filhos pequenos, homens sozinhos, bandos de estudantes e adolescentes da periferia - aliás, a periferia em peso - que, com pouco agasalho sob chuva forte, lutava para entrar na cadeia, no primeiro dia de visitação pública. Em meio a gritaria e empurrões, o primeiro grupo alcançou o pátio e, enfileirado, chegou às celas coletivas do Pavilhão 2. "Quando eu botei o pé lá, tive vontade de chorar", disse a estudante Fernanda Caldeira, de 19 anos. Até as 16 horas, cerca de 4 mil pessoas conseguiram ver um pouco, só vestígios, do presídio desativado na semana passada pelo governo. "Senti tremedeira nas pernas de pensar nos caras apanhando, brigando por causa de comida, de cigarro", disse Fábio Duarte, de 15 anos. "Uns camaradinhas do bairro (Ermelino Matarazzo, na zona leste) passaram por aqui. É, só quem viveu é que sabe o que é", disse, cabisbaixo, Marcos Vinicius Carvalho, de 16 anos. - É o inferno, estão ouvindo? Aqui, filho apanha e mãe não vê! - dizia, aos prantos, o ex-presidiário Sérgio Ferreira, de 42 anos, o Jimmy Clif, para algumas pessoas que se apertavam na entrada da cela 1. Como se fosse um guia, mostrava o xadrez e contava sua história. "Nesses beliches dormiam os ladrões; aquilo é o boi (a latrina). Fiquei 9 anos e 7 meses em cana, por assalto a mão armada e estou livre há quatro anos. Livre? Vendo alho no farol." Depois de percorrer algumas celas e, pela janela de uma, contemplar o pátio interno por longo tempo, a dona-de-casa Maria Aparecida Juca, de 51 anos, confessou sentir "uma tristeza imensa". Ela estava com a filha, Claudia, de 30 anos, e a neta, Angélica, de 10. "Queria que conhecessem a realidade da vida." Primeiramente, Maria disse que foi à Casa de Detenção porque gosta de filmes e romances policiais. Depois revelou o motivo: um sobrinho esteve preso ali. "Eu queria imaginar o que ele passou aqui dentro." Ronaldo Constantino da Silva, de 27 anos, o Mano Ronny do grupo Detentos do Rap, relatou que sentiu calafrios ao entrar de novo no lugar onde ficou preso por 6 anos e 4 meses. "Todas as lembranças ruins vieram à tona." Ele saiu no ano passado, quando a banda - que gravou três CDs: "Apologia do Crime", "O Pesadelo Continua" e "Quebrando as Algemas do Preconceito" - já era sucesso. Silva, DJ Colina e Mano Rap visitaram a Detenção a convite de uma emissora de televisão. Aplaudidos, deram "uma palhinha" no Pavilhão 2. "A Casa de Detenção acabou, mas nunca vai ser desativada da mente de quem passou por aqui", disse Denison Vertelo, de 26, o Mano Rap. Até 20 de outubro, as visitas podem ser feitas de terça-feira a domingo, das 10 às 16 horas.

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