Um ano após tragédia, aviação vive 'calamidade silenciosa'

Especialistas dizem que 'aparente tranqüilidade' esconde os reais motivos para o caos que atingiu o setor aéreo

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Por Gustavo Miranda
Atualização:

Hoje faz um ano que o Airbus A320, que levava o vôo 3054 da TAM, varou a pista principal do Aeroporto de Congonhas, não conseguiu parar e bateu de frente com um depósito da companhia, no outro lado da Avenida Washington Luiz, matando 199 pessoas. O acidente aterrorizou São Paulo e aconteceu no auge da crise aérea brasileira, iniciada quase um ano antes, logo depois de outro grande acidente aéreo, quando um jato Legacy chocou-se a um Boeing da Gol, matando 154 pessoas, em plena floresta amazônica. Veja também Protesto silencioso marca 1 ano de acidente Aeronáutica ainda não finalizou relatório Vôo 3054: o que se sabe um ano depois  As histórias por trás das vítimas do vôo 3054  Eldorado faz reportagem especial sobre o acidente Tudo sobre o acidente com o vôo 3054  Saguões repletos de gente, painéis apagados, irritação, confusão e muito atraso. Essas eram as cenas que, junto com as imagens do fogo destruindo o depósito da TAM, se tornaram realidade e motivo de preocupação para os usuários do transporte aéreo no País. Um ano após o ápice da crise que derrubou um ministro da Defesa e fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometer várias vezes o fim do caos, especialistas ouvidos pelo estadao.com.br afirmam que, apesar da situação de aparente tranqüilidade, as causas da crise ainda não foram devidamente combatidas. Depois do acidente com o A320, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou uma adaptação nas rotas aéreas. Os controladores de vôo, que emperraram o País realizando uma operação-padrão para que não fossem responsabilizados pelo choque entre o Legacy e o Boeing da Gol, trouxeram a público a situação de penúria em que estava a aviação nacional. Há casos de pane de telefonia em que os aeroportos ficaram sem comunicação com os centros de controle e falhas na comunicação via rádio. Além disso, registros de 'quase-colisões' estão em relatórios de perigo, livros de ocorrências e imagens de telas dos radares dos Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo (Cindactas). O exemplo de timidez na ação governamental não está somente no fato de a Casa Civil ter enterrado planos para uma nova pista em Guarulhos ou para o terceiro aeroporto em São Paulo. Está também no tipo de investimento previsto pela Infraero para 2008, 2009, até 2012. A expectativa é de que a empresa termine o ano tendo investido mais de R$ 18 milhões, utilizados apenas para aquisição de aparelhos de raio-x e aquisição de caminhões. Outro exemplo está na Aeronáutica: o comando investiu, em 2007, R$3.342.927,10 em cursos de inglês para os controladores de tráfego aéreo. Segundo o Sindicato Nacional dos Controladores de Tráfego Aéreo, a adesão aos cursos é muito baixa, porque os profissionais precisam encarar 'bicos' para complementar a renda. A principal ação do governo foi o aprimoramento da coordenação entre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da Aeronáutica. "A sensação que eu tenho é de que o governo, de uma maneira geral, fez com a aviação da mesma maneira como faz com os transportes rodoviários. Iniciou uma operação tapa-buraco, que solucionou inicialmente a crise mas que, a médio prazo, evidencia os mesmos problemas de antes", critica Respicio Antônio do Espirito Santo, especialista em transporte aéreo e professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ele, as medidas adotadas pela Infraero e pela Anac ainda carecem de integração. "Hoje, eles sentam na mesma mesa. Mas, não decidem de forma coordenada. Isso foi um avanço, mas revela que a gente ainda vai esperar mais 500 anos para que as coisas andem no caminho certo", diz. Segundo a Anac, em julho de 2007, atrasos comprometiam 45% dos vôos programados. Hoje, a média é de 20% dos vôos de todo o País - geralmente por causa de fortes nevoeiros que impedem pousos e decolagens. Nos aeroportos, é fato que os atrasos diminuíram. "O que as pessoas sentem é que não existem mais atrasos. A aparente tranqüilidade esconde uma série de problemas que ainda atingem em cheio a aviação brasileira, que vive calamidade silenciosa", diz o presidente do Sindicato Nacional dos Controladores de Tráfego Aéreo, Jorge Botelho. Os problemas ainda persistem, principalmente, no que diz respeito ao controle do tráfego aéreo. São equipamentos obsoletos, salas de controle que operam sem o auxílio de radar e que revelam ainda mais cenas de precariedade que podem ser conferidas em números: entre 2003 e 2007, foram registrados pelo menos 459 incidentes aéreos no País, segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). "O problema não foi a atitude dos controladores, que fizeram a operação-padrão que gerou o caos. O governo, no final das contas, admitiu todos os problemas. Afinal, não se alterou a malha aérea do País sem necessidade. Não foi só isso, agora há mais investimento em software de controle aéreo, estão modernizando. Os protestos da categoria não eram bravatas. Eram denúncias de situações reais que ainda atingem o País", diz Botelho.

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