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Uma caloura de 81 anos na PUC-Campinas

Por Agencia Estado
Atualização:

Perto de completar 81 anos de idade, a aposentada Ana Prado Ferreira conseguiu finalmente realizar um velho desejo. Esta semana, começou a freqüentar a universidade. Passou no vestibular para o curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, depois de duas tentativas. Como todo calouro, teve o rosto pintado pelos alunos veteranos e fez questão de tomar o ônibus de volta para casa com a cara pintada, troféu de uma grande vitória. Filha de agricultores, Ana entrou para a escola, na cidade de Leme, 189 quilômetros a noroeste de São Paulo, com quase sete anos, mas fez apenas as duas primeiras séries do ensino básico. A Revolução de 1932 assustou seus pais, que decidiram voltar para a zona rural, em Engenheiro Coelho (144 quilômetros a noroeste de São Paulo), onde ela nasceu. Como não tinha dinheiro para o ônibus, foi forçada a desistir da escola, mas não do estudo. Ana lia os cadernos escolares de uma vizinha, quando eram jogados no lixo. Aos 16 anos, decidiu casar-se com ?um moço da cidade?, para ficar mais perto da escola, e foi morar em Campinas. O marido ciumento, que não a deixava sair à rua sozinha, e os quatro filhos adiaram novamente os planos de voltar a estudar. Com 26 anos, Ana ficou viúva ? o marido morreu vítima de esquizofrenia - e sem dinheiro. Tinha que criar os filhos e começou a costurar. Foi aos 70 anos, com os filhos casados, que pôde retomar seu desejado projeto. Em dez anos, fez supletivos e cursinhos pré-vestibulares para estudantes carentes. Prestou PUC-Campinas e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para 2002. Não passou em nenhum deles. Tentou de novo o vestibular de 2003 e conseguiu uma vaga na PUC-Campinas. A aposentada ganha R$ 200 por mês, dinheiro insuficiente para pagar a mensalidade da faculdade. Mas pretende pedir ajuda para continuar estudando. Seu maior sonho é escrever um livro. Também quer aprender inglês e ?mexer com computador?, o que nunca fez. ?Gosto muito de ler romances e escrever, de imaginar histórias, fantasiar outras vidas?, contou. Ana nunca se casou de novo. ?Apesar de ter havido vários pretendentes. Mas eu não quis. Não gostei do casamento. Namorar, só de longe?, comentou. O primeiro dia de aula na faculdade, nesta segunda-feira, foi um dia de grande felicidade, conforme ela. ?Voltei a ser jovem?, garantiu, perguntando se aparenta a velhice. Na história construída dia-a-dia por Ana não há tempo para lamentações. ?Com dinheiro se paga tudo. Mas não tendo é melhor, porque é preciso lutar, e a vida se torna um grande desafio?, afirmou a aspirante a escritora. Agora só falta o livro. A história, Ana já tem.

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