Uma nova família para quem chegou à terceira idade

Programa Anjos Urbanos leva companhia e assistência para 280 idosos em três regiões de São Paulo

PUBLICIDADE

Por Valéria França
Atualização:

De segunda a sábado, Áurea Rodrigues, de 64 anos, sai de casa com uma missão: dar assistência a paulistanos que chegaram à terceira idade sem o apoio da família ou dos amigos. Ela ajuda em atividades que os idosos muitas vezes não se acham mais tão aptos a fazer como no passado. Muitos se atrapalham com os medicamentos, se esquecem de pagar as contas no banco, têm medo de atravessar a rua movimentada para ir ao cabeleireiro ou não conseguem mais enxergar as letras miúdas do romance de cabeceira. Outros sofrem com a solidão comum aos que vivem muito e vêem a maior parte dos parentes morrer. Áurea faz de tudo um pouco. ''Há casos em que só fico ali jogando conversa fora ou lendo um livro'', conta ela, que faz parte de um grupo que ficou conhecido como Anjos Urbanos. São 19 mulheres treinadas pela Geriatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para participar de um programa piloto, que tem jeito de Primeiro Mundo, organizado pela Secretaria de Saúde do Município de São Paulo há dois anos. ''Elas não são voluntárias'', explica o geriatra Sérgio Pascoal, de 55 anos, coordenador da área técnica de Saúde da Secretaria. ''A idéia era ter um grupo comprometido com as tarefas. Por isso seus integrantes recebem 1 salário mínimo por mês.'' Elas dividem suas agendas entre 280 idosos distribuídos em três regiões da cidade: centro, zona leste (Mooca) e norte (Santana). ''A necessidade de ter esse tipo de serviço veio como uma demanda da própria comunidade'', diz Pascoal. ''Houve casos em que os funcionários davam pela falta de um idoso que todo mês costumava passar no posto de saúde. Mandavam a assistente social averiguar. Ela voltava dizendo que o problema era a falta de condições, por exemplo, de ele conseguir caminhar sozinho até o posto de saúde.'' Os idosos cadastrados recebem de uma a três visitas por semana, que duram, em média, duas horas. ''Mas a gente cria vínculos e, quando percebe, está telefonando para que não se esqueçam, por exemplo, da consulta do médico no dia seguinte'', diz Eliane Colella, de 44 anos, acompanhante na Mooca, zona leste. ''Viramos da família. Há quem me chame de filha.'' É o caso de Adélia Bocciardi, de 90 anos, caçula de seis irmãs. Todas já morreram, assim como os pais, depois o marido e até o filho, que aos 44 anos, foi vítima de um câncer. ''Tenho muitas dores na coluna, mas ainda consigo fazer de tudo'', conta Adélia, que é uma senhora muito ativa, apesar de idade. ''Ninguém mais vem me visitar. Só a Eliane, com quem posso conversar. '' Uma de suas amigas e vizinhas, Benedita Camargo, de 88 anos, também entrou para o projeto, graças à indicação de Adélia. ''Sofro de Parkinson (doença degenerativa cerebral) e, como não tenho muito equilíbrio, vivo caindo, no banheiro ou na rua.'' Viúva há 25 anos, Benedita não teve filhos. ''Saí várias vezes à noite de camisola para socorrê-la'', diz Adélia. ''É tão bom ter alguém para me acompanhar na rua - para ir ao banco, por exemplo. Eu me sinto segura'', diz Benedita.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.