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Uma Penha esquecida é lembrada em fanzine

Moradores da zona leste resgatam memória do bairro na internet

Por Eduardo Reina
Atualização:

Um grupo de moradores da Penha resolveu resgatar a memória do bairro da zona leste de São Paulo e trazer a público a relevância histórica da região. Sem recursos financeiros para manter um boletim impresso sobre os pequenos e os grandes feitos da comunidade, o Movimento de Preservação e Memória da Penha lançou um fanzine virtual - o Bossa Antiga. Em elaboração, a terceira edição do periódico tratará de uma campanha para "salvar" o pingado, o tradicional café com leite e pão com manteiga na chapa, uma instituição dos balcões de padarias paulistanas. Os dois primeiros números reportaram, respectivamente, a "bus nostalgia", ao relembrar os velhos coletivos que serviram o bairro, e a passagem do Graf Zeppelin, na década de 1930, sobre o bairro, com uma foto inédita e falsa do dirigível ao lado de uma das torres da igreja. "A Penha de França tem uma cultura própria e uma história muito rica. Porém, um isolamento geográfico do passado fez com que a região não fosse incluída na história da cidade, a ponto de praticamente não existirem registros no Departamento do Patrimônio Histórico (DPH)", conta o professor Francisco Folco, de 57 anos, um dos idealizadores do fanzine e Memorial Penha de França. "A exceção é o fato de que Nossa Senhora da Penha era padroeira da cidade, e a sua imagem era requisitada oficialmente pela Câmara Municipal para que fosse em procissão até a Sé", diz Folco. Com ele, muitos outros moradores, a maioria com idade acima dos 50 anos, participam da empreitada virtual. Fanzines, vale lembrar, não são novidade, surgiram nos Estados Unidos e foram amplamente usados na Europa pelo movimento de contracultura de 1968. A base para a redação do fanzine é o Memorial, criado em fórum de preservação do patrimônio realizado na Casa da Cultura da Penha, em 2004. Hoje, o Memorial está sediado em uma casa antiga da família Folco - entusiasta do projeto. Um dos mais jovens participantes da empreitada é Eduardo Zampar Morelli, de 27 anos. Ele conta que o Bossa Antiga migrou da edição impressa para virtual para conquistar mais público. "A gente fazia um fanzine impresso que era distribuído no bairro. E achamos que o virtual tem muito mais poder de sedução." A primeira experiência de publicação de fanzine ocorreu há dois anos, depois do informativo A Tribo. "O boletim ficou caro. Fizemos então um fanzine chamado Tribufu", lembra o professor Júlio César Marcelino, de 42 anos. "Agora fazemos o Bossa Antiga, nos divertimos e mostramos nossa preocupação com a memória e preservação da Penha de França", diz o professor que faz questão de citar o nome completo do bairro. O trabalho de pesquisa sobre o bairro, de fato, se tornou uma diversão para os integrantes do Bossa Antiga. Os moradores da Penha, ao relembrar a história do bairro, se reviram em especulações. A brincadeira que colocou a foto de um dirigível ao lado da colina da Penha, em 1935, virou tema do fanzine número 2. "Ninguém tem registro da passagem do Zeppelin pela Penha. Ele sobrevoou a região central da capital e foi uma grande emoção naquela época", conta Francisco Folco. No primeiro exemplar, o grupo lembrou do ônibus Penha-Lapa - "sinônimo" de coletivo lotado. "Sei de história de gente no Ceará que citou o Penha-Lapa para se referir a um ônibus cheio de lá", diz Folco, ao lembrar que chegou a gastar uma hora e 45 minutos a pé entre Higienópolis e Penha, enquanto o coletivo demora mais de duas horas no trânsito. Especialista em história oral, o ex-seminarista e psicólogo José Morelli, de 55 anos, pai de Eduardo, diz que a terceira edição será lançada nos próximos dias. Ele admite que o tema escolhido, o pingado, não é uma exclusividade da Penha de França. "É uma instituição não só da Penha, mas de toda a cidade de São Paulo. O pingado não existe em outros Estados", acredita Morelli. Ao participar do grupo e discutir os temas dos próximos fanzines, o psicólogo revela que se diverte, principalmente com os causos sugeridos para publicação no Bossa Antiga. "Há uma lenda que diz que havia um túnel secreto que ligava o seminário e o convento das irmãs, mas isso ninguém nunca vai saber." Na trilha das lendas, Francisco Folco afirma que a primeira cerveja da cidade foi produzida na Penha. "Você sabia? Chamava-se Cerveja da Penha e era fabricada por João Bohemer, em 1840. No início, era apreciada apenas pelos penhenses. Depois, passou a ser vendida no bar O Corvo, no centro de São Paulo", conta Folco, orgulhoso. Não será, portanto, por falta de imaginação ou material que os fanzineiros do Bossa Antiga ficarão na mão. A lista de assuntos do grupo é quase interminável. Para solicitar uma cópia do periódico, basta encaminhar uma mensagem ao e-mail bondepenha@uol.com.br. FRASES Francisco Folco Fanzineiro "A Penha de França tem cultura própria e história muito rica. Um isolamento geográfico fez com que a região não fosse incluída na história da cidade" Eduardo Zampar Morelli Fanzineiro "A gente fazia impresso. O virtual tem mais poder de sedução" Júlio César Marcelino Fanzineiro "Agora fazemos o Bossa Antiga, nos divertimos e mostramos nossa preocupação com a memória da Penha de França"

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