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Uma volta nada à francesa

O guitarrista Edgard Scandurra toca quatro projetos paralelos na cidade

Por Valéria França
Atualização:

O show é improvável, rock francês dos anos 70. O ieieiê animado, romântico e bem-humorado, apresentado por um grupo de nome desconhecido, Les Provocateurs, tem um líder ainda mais improvável, o paulistano Edgard Scandurra, de 47 anos, ex-integrante do Ira!, que fez muito marmanjo pular ao som de Envelheço na Cidade e Pobre Paulista. O garoto com jeitão londrino, inspirado pelo punk rock, agora sem banda e mais maduro - pai de quatro filhos, que sai todas as noites da sua casa na Vila Madalena, zona oeste, para passear com o cachorro Toots, um golden retriever -, retoma a carreira solo com fôlego de adolescente, ressurgindo na cena paulistana com quatro projetos. Les Provocateurs é uma brincadeira, se comparado com o show Amigos Invisíveis 20 Anos, em cartaz do dia 22 ao 24, no Teatro Fecap, na Liberdade, centro. Durante as três apresentações, Edgard grava o primeiro DVD de sua carreira solo, depois de 14 álbuns produzidos nos 25 anos de estrada com o Ira!, que chegou ao fim em 2007. E conta com convidados: Guilherme Arantes, Zélia Duncan, Fernanda Takai e Jorge dü Peixe, entre outros. "Amigos Invisíveis foi o meu primeiro vinil solo", conta Edgard. "O show traz faixas famosas do disco de 1989, caso de Gritos na Multidão, e algumas inéditas, como Não Precisa Me Amar, a música mais ouvida da minha página no My Space (www.myspace.com/edgardscandurra)." Ela foi três vezes mais acessada que as outras. "Gosto da internet por isso. Ela permite uma resposta imediata." Apesar de muito discreto, às vezes tímido, Edgard gosta do contato direto com os fãs. "Quando o Ira! gravou o primeiro videoclipe para o Fantástico (da Rede Globo), eu era muito duro", conta Edgard, que na época morava na Vila Mariana, zona sul. "No dia seguinte que o programa foi ao ar, peguei um ônibus e achei muito bom ver as pessoas me reconhecendo na condução, espantadas ao perceber que eu era um paulistano comum." E ele ainda é. Como não dirige, Edgard circula muito a pé pela cidade. "Aqui na Vila Madalena, ele é superfamoso entre os taxistas", brinca a mulher, Andrea Markel, de 45 anos, com quem teve dois de seus quatro filhos, Joaquim, de 9 anos, e Estela, de 5, chamada "bonequinha do papai". Descobrir sabores pela cidade é um dos prazeres tipicamente paulistanos de Edgard. Na quarta-feira, por exemplo, foi comer feijoada no Mercado de Pinheiros, zona oeste. Os amigos tinham recomendado. Quando saiu, o dono do restaurante, que até então não havia demonstrado que reconhecera o cliente especial, agradeceu: "Também sou seu fã." Sorridente, ele retribuiu a gentileza elogiando a comida. Pouco antes, na Praça da Sé, um boy havia se aproximado, pedindo para tirar uma foto com o músico, que o atendeu prontamente. IDENTIDADE Nesse dia, Edgard estava de terno, apesar do calor inesperado para o outono - os termômetros no centro marcavam 28°C. "Adoro terno", justificou. "Nunca usei muito jeans. Na juventude, ele me dava um ar de vanguarda. Agora tenho de tomar cuidado para não parecer um executivo", brinca. Não tem perigo. Por baixo do paletó, ele usa uma camiseta com uma bola, que parece o símbolo da campanha do câncer de mama, mas representa o Mod, uma espécie de movimento punk rock elegante, que nasceu em Londres no final da década de 50, integrado por garotos que vestiam terno e andavam de scooter. "Quando se tem uma banda, sua identidade se confunde com a do grupo. É como uma família", explica ele, que vem mostrando outras facetas. Com o parceiro das antigas Arnaldo Antunes, a ex-mulher Taciana Barros, mãe de Daniel, seu filho mais velho, de 21 anos, e o amigo Antônio Pinto, apresenta Pequenos Cidadãos, no Teatro Anhembi Morumbi, neste fim de semana e em 5 e 6 de junho. Trata-se de um projeto infantil, feito com os respectivos filhos dos músicos. "As crianças adoraram participar. Mas não é fácil ensaiar os pequenos, os músicos, e depois juntar todo mundo", diz Edgard, que está orgulhosos por tocar com Daniel, o filho baixista, e de ver o entusiasmo dos outros três da prole. "As crianças se empolgam tanto. O Lucas (de 16 anos), que só diz ?gol?, ensaia sua deixa. E se deixar, ele pega o microfone e dá recado para as gatinhas." Edgard entende bem o entusiasmo que o palco inspira. "Era adolescente, ainda menor de idade, quando comecei a dar shows pela cidade. Lembro bem que aquela garota da escola, aquela que você sempre achou que era muita areia para o seu caminhão, aparecia para falar comigo no fim do show. E tantas outras imploravam para dizer o nome delas durante a apresentação." Vinte anos depois, as gatinhas continuam ali, no pé do palco, paparicando o quarentão. Antes, porém, Edgard ainda dependia da carona do pai, Ubirajara Pereira - o Scandurra vem da mãe, Nena - , para voltar para casa com os instrumentos. "Minha família sempre me incentivou. Eles gostam de música. Meu pai participou até de um programa de calouros, cantando Eu Sonhei Que Estavas Tão Linda, muito conhecida na voz de Francisco Alves. Ele foi gongado", diverte-se. Edgard escreveu sua primeira música aos 15 anos, O Chiclete, sucesso na voz de Roger, do Ultraje a Rigor - banda da qual participou da formação e chegou a batizar. "O Ultraje estourou depois que fui para o Ira!. O Roger era tão debochado e eu, tão sisudo. Eu sabia que ele seria um sucesso." A falta de grana fez com que Edgard, canhoto e autodidata, usasse guitarras de amigos, quase sempre destros. Sem poder inverter as cordas, aprendeu a tocar ao contrário. Cabine C, Mercenárias e Smack são alguns dos outros grupos nos quais o guitarrista trabalhou na década de 80, apresentando-se em casas que fizeram história, como Madame Satã e Aeroanta. E o passado voltou com novo formato. Na quinta-feira, ele tocou com o Smack, com quem gravou recentemente um CD, no Vegas, clube da região central. Dois dias antes, subiu ao palco com Les Provocateurs, no seu restaurante, Le Petit Trou, na Vila Madalena, repetindo o mesmo show que fez no Berlim, na Barra Funda. Nesse projeto ele conta com três divas que soltam a voz, uma delas, sua mulher, que encerra o show cantando, num dueto com Edgard, Je T?Aime Moi Non Plus. Detalhe: ele pede sempre para apagarem as luzes, o que dá clima de bailinho. Na plateia, na terça-feira, estava o amigo Arnaldo Antunes, que se divertiu muito. Ele já está combinando um CD para o ano que vem com Edgard. COLABOROU EDUARDO NICOLAU

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