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União estável

Por Dora Kramer
Atualização:

Muito já se falou a respeito das diferenças de forma e conteúdo entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor. Muito mais será dito ainda porque Lula e seus seguidores mais fanáticos já dão sinais explícitos de desconforto com as comparações, de resto inevitáveis tendo em vista as óbvias distinções entre um e outra.Em menos de três meses a lista é robusta: atenção aos direitos humanos na política externa, rigor na resolução de desavenças internas, presença presidencial em caso de tragédias nacionais, reserva no comportamento pessoal, pronunciamentos limitados a ocasiões específicas, relações civilizadas com imprensa e adversários e convivência ao menos cerimoniosa com o fisiologismo.Portanto, nada mais natural que se aponte e, conforme for o caso e o gosto do freguês, celebre-se o que há de diferente. Não há, objetivamente, nenhuma razão para a contrariedade exibida por Lula recentemente, considerando "hilariantes" as referências positivas à presidente no cotejo com condutas anteriores.Francamente, o ex-presidente deveria sentir-se bem com a boa receptividade à sua sucessora e criatura eleitoral. Significa que, a despeito da má impressão deixada por ela durante o período em que foi ministra e seu desempenho abaixo da crítica como candidata, ele estava certo no tocante à capacidade da escolhida de sair-se bem na Presidência.Ou não era isso que Lula esperava? Ao exibir-se desconfortável com os elogios, dá margem à interpretação de que talvez preferisse que a imprensa estivesse hoje plena de registros saudosistas em relação ao governo anterior, quem sabe até lamentos sobre a impossibilidade de haver um terceiro mandato. Podendo, assim, alimentar a fantasia de que todas as críticas a ele dirigidas eram fruto de uma conspiração "das elites" contrariadas com um "governo do povo". Como se vê, os juízos negativos guardavam relação apenas e tão somente com palavras, gestos e atitudes inadequadas, quando não negativamente exorbitantes, do então presidente.O problema, agora fica patente, era a ausência de limites e a carência de noção de Lula a respeito do significado do cargo e da conduta exigida a um chefe de nação. Dilma não faz nada de excepcional, apenas se comporta normalmente. Mas, na comparação, soa como um bálsamo.Ao mostrar-se ressentido Lula não inova nem surpreende: apenas acentua marca de personalidade e mais uma vez perde excelente oportunidade de mostrar educação política e serenidade de espírito.Inclusive porque ninguém com um mínimo de informação, sensatez e discernimento, aposta - nem remotamente - em ruptura entre ele e a presidente Dilma. Estão juntos, os dois e mais a nação petista, no mesmo projeto de poder.Poder este disputado em eleições para o sucesso das quais a atuação de Lula é fundamental.Romper não rompe. Resta aguardar para observar se Dilma também vai se diferenciar no que concerne ao uso da máquina ou se exorbitará, seguindo os passos do antecessor. Será o teste fatal.Comando único. Não é visível, ainda, a olho nu, mas a presidente Dilma Rousseff determinou o fim da duplicidade de comando na condução da política externa ao molde do que vigorou no governo anterior: o chanceler de um lado, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, do outro.De raiz. Chamar negros de morenos é, guardadas as proporções, como chamar gordos de fortes.Revela preconceito tão arraigado e enrustido que não ousa dizer os nomes que as coisas têm.Rápido e rasteiro. A propósito da reforma política tal como está sendo conduzida pela comissão especial do Senado, ocorreu a Jaime Lechinski frase de Giordano Bruno momentos antes de ser queimado pela Inquisição: "Que ingenuidade a nossa pedir aos donos do poder a reforma do poder."

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