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Vargem: pedágio até para ir à escola

Moradores pagam R$ 1,10 toda vez que cruzam cidade na divisa com MG

Por Eduardo Reina
Atualização:

Apesar das melhorias nas estradas, ninguém gosta de pagar pedágio. Principalmente quando se tem de fazer tarefas cotidianas, como ir ao açougue ou levar os filhos à escola. E o pior: dentro da própria cidade. O caso que mais tem dado o que falar é o do Vargem, município localizado na divisa de São Paulo com Minas, que desde 9 de janeiro está dividido por uma praça de pedágio construída no km 7 da Rodovia Fernão Dias. Lá, o pedágio "forçado" virou uma custosa rotina para os 6.883 habitantes. Quem mora nos bairros Rio Acima e Varginha, por exemplo, tem de pagar R$ 1,10 para a concessionária OHL se quiser entrar na cidade ou voltar para o bairro de carro. A estrada é a única via de acesso ao centro do município, que tem frota de 2.244 veículos e renda per capita das mais baixas do Estado: R$ 4.767. Os programas de concessões estadual e federal não preveem isenção para moradores de cidades divididas por praças de pedágio. A exceção costuma valer apenas para pedágios de bloqueio, construídos para evitar rotas de fuga de rodovias. Já nas praças principais quem quiser evitar pagamentos toda vez que sai de casa precisará recorrer à Justiça ou tentar negociar com as concessionárias. Em Vargem, o problema não atinge apenas donos de carro. As mais de cem famílias que vivem no conjunto habitacional de Rio Acima e dependem de ônibus para chegar ao centro ficaram sem transporte coletivo, porque a OHL bloqueou a entrada para o bairro. A saída é pegar um ônibus na pista da Fernão Dias, pagar passagem de R$ 2,95 e descer 1,5 quilômetro depois, ainda na pista, e andar até a cidade. Outra alternativa para ir até o centro é andar mais de 2 quilômetros a pé. "Antes eu pegava o ônibus em frente de casa e descia no centro para trabalhar. À noite na pista é muito perigoso e não tem passarela", disse a manicure Gislaine Barbosa de Souza. Apesar de afirmar estar ao lado dos moradores, a prefeitura tem se contentado com a construção de uma ponte tubular no meio da cidade para abrir uma ligação entre os bairros separados pelo pedágio da Fernão Dias. A obra alternativa foi prometida, segundo o poder público, pela OHL. "Conversamos com a empresa, que disse poder construir uma ponte de tubos sobre o Rio Jaguari. Isso vai tirar moradores do isolamento. Aguardamos apenas a liberação do Departamento Estadual de Recursos Naturais (DPRN)", diz o coordenador de governo, Daniel Marques da Rosa, marido da prefeita Benedita Auxiliadora da Rosa (PTB). Prefeito por duas vezes, ele reconhece no entanto que, mesmo com a ponte, algumas famílias continuarão isoladas. Enquanto a obra não sai, toda a cidade arca com o prejuízo. O comerciante Carlos Alberto Ferrini paga pedágio pelo menos seis vezes ao dia. Além dos gastos das viagens de carro, ele também extrapola o orçamento com os caminhões de sua empresa, quando entram e saem do centro de Vargem. "Somando tudo dá mais de R$ 220 por mês. Só com meu carro são pelo menos R$ 6,60 para levar e buscar meus filhos na escola todo dia", reclama Ferrini. Para não perder clientes, sua empresa começou a aceitar encomendas por telefone e a entregar compras em domicílio. "Se tiver de pagar pedágio, meu cliente pode optar por comprar em Bragança Paulista." Mesmo esquema de entrega foi adotado por Rosely De Lena em seu açougue. Ela também paga diariamente R$ 4,40 para dois funcionários que moram em Bragança Paulista se deslocarem todos os dias ao trabalho. "Aqui não tem essa mão de obra especializada. A única saída é pagar o pedágio para os funcionários para não perdê-los." Para encomendas acima de R$ 50, Rosely prefere entregar na casa do cliente. Por causa disso, paga os dois pedágios. "Vargem vai acabar. Logo vai ter gente mudando para outra cidade. O movimento no meu açougue caiu muito desde que o pedágio começou a ser cobrado." A diminuição do lucro também foi sentida por Karina Rubin, dona de uma pet shop. Só para ir e buscar os animais nas residências, ela gasta R$ 4,40 por animal. Banho e tosa saem por R$ 20,00. "O pedágio come mais de 20% do que eu ganho." SEM AUDIÊNCIAS Também revolta os moradores o fato de não terem sido consultados sobre a instalação do pedágio. "Não teve nenhuma audiência pública. Aqui não tem via lateral nem como construir uma para favorecer as locomoções (entre o centro e os bairros). Quem quer sair de um bairro para outro ou paga pedágio ou vai de helicóptero", reclama o advogado Humberto Aparecido Domingues, que luta pela isenção da cobrança. Na mesma batalha, Hélio Zamboti, da Associação Entre Amigos de Vargem, destaca a pobreza da cidade e os salários baixos dos moradores. "Nosso índice de desenvolvimento humano é irrisório. Chega a ser menor que o Vale do Ribeira."

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