PUBLICIDADE

Venezuelanas buscam tratamento de saúde no Brasil

Desassistida, ‘garota-propaganda’ do governo Venezuelano migra para Roraima; sem pré-natal, gestantes lotam maternidades locais

Por BOA VISTA
Atualização:
A venezuelana Anni Josefina Garcia Oca, no ginásio TancredoNeves, transformado em abrigo pela Defesa Civil em Roraima, Boa Vista Foto: WS1 Roraima

A artesã venezuelana Annis Josefina Garcia Oca era uma adolescente quando recebeu dos médicos a notícia de que sofria de osteomielite crônica, doença grave que provoca repetidas infecções nos ossos e exige tratamento prolongado com antibióticos. Por meio de um convênio entre os governos da Venezuela e de Cuba, ela passou a se tratar na ilha dos irmãos Castro. “A Venezuela pagava os custos da minha viagem e eu ia duas vezes ao ano para lá. Melhorei muito desde que comecei o tratamento”, conta ela, que manteve a rotina de viagens por dez anos. Annis, hoje com 41 anos, chegou a ser uma das estrelas de um documentário feito pelo governo venezuelano sobre políticas de saúde. Nos últimos três anos, porém, com a crise econômica na Venezuela, a “garota-propaganda” foi esquecida: sem dinheiro, o Estado venezuelano deixou de pagar as viagens a Cuba e de fornecer os medicamentos que a artesã precisava tomar. Sem acompanhamento médico, ela viu sua saúde piorar: teve uma perna amputada, repetidas infecções, convulsões, além de ficar vários dias sem comer pela escassez de alimentos que atinge o País. Há cerca de um mês, decidiu deixar sua cidade natal e migrar para o Brasil em busca de tratamento médico. Percorreu mais de 700 quilômetros entre Ciudad Bolívar, no centro do país, até Pacaraima, município de Roraima que faz fronteira com a Venezuela. “Vim de carona com um parente até a fronteira, mas como o carro não pôde entrar por uma questão de documentação, tive que seguir a viagem sozinha, só com muletas, porque minha cadeira de rodas ficou para trás”, conta ela, que está vivendo no abrigo Tancredo Neves, em Boa Vista. O espaço, coordenado pelo Exército, acolhe mais de 200 imigrantes venezuelanos. No Brasil, a artesã se reencontrou com o marido, que já estava no Brasil havia três meses em busca de emprego. Em solo brasileiro, Annis ainda não conseguiu ter acesso a todas às terapias que precisa. “Vim em busca de medicamentos e também de um tratamento chamado câmara hiperbárica, mas parece que não há esse tipo de terapia em Roraima.” Mesmo assim, ela acredita que a vida no Brasil está melhor que na Venezuela. “Lá não há mais alimentos nem medicamentos. Os que existem são importados e muito caros. Ou você compra comida ou compra remédios.” 

Tratamentos. Casos como o de Annis, de venezuelanos que chegam ao Brasil em busca de assistência médica, são cada vez mais comuns em Roraima. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, o número de venezuelanos atendidos no Hospital Regional de Roraima, cresceu dez vezes em apenas dois anos, passando de 649 em 2015 para 6.962 em 2017. Já na rede municipal de Boa Vista, onde vivem cerca de 40 mil imigrantes, o número de estrangeiros atendidos nos postos de saúde da cidade nos dois primeiros meses deste ano - 35,6 mil - já supera o total de pacientes venezuelanos de todo o ano passado. Outra demanda estrangeira crescente no sistema de saúde do Estado é a de gestantes. O número de partos de venezuelanas no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth (HMI), maior maternidade de Roraima, saltou 96,5% entre 2016 e 2017, passando de 288 para 566 no período. “A maioria delas chega sem nenhum histórico de pré-natal. Não sabemos se tomaram vacinas, se os bebês têm alguma má-formação que poderia ter sido diagnosticada ainda na gestação”, conta Márcia Monteiro, diretora técnica do HMI. Por causa da falta de assistência das mulheres no país de origem, alguns bebês morrem após o parto porque a equipe médica só descobre problemas de saúde depois. No ano passado, o hospital registrou 99 óbitos neonatais, 10% deles de pacientes estrangeiras. Quase metade dos partos de venezuelanas são de alto risco. Foi o caso da estudante Gabriela Alejandra Villegas, de 17 anos, que foi informada pelos médicos venezuelanos que o nascimento da filha não poderia ser feito no país. “Entrei em trabalho de parto com 26 semanas, o bebê só tinha 800 gramas. Na Venezuela, me disseram que o hospital de lá não teria condições de manter viva uma bebê tão prematura.” Outra venezuelana foi encaminhada ao sistema de saúde brasileiro após descobrir, somente no parto, que esperava gêmeos. “Não fiz pré-natal na Venezuela e achava que só esperava um bebê”, conta Fatima Maria Delgado, de 37 anos. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.