Veto de Bolsonaro em nova lei de drogas dificulta redução de pena para pequeno traficante

Presidente sancionou lei aprovada pelo Congresso. Para especialistas, decisão do governo pode piorar condições do sistema carcerário

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Por Felipe Resk e Marco Antônio Carvalho
Atualização:

SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro decidiu vetar o artigo da nova Lei Antidrogas que permitiria que a Justiça aplicasse penas mais baixas para traficantes flagrados com pequenas quantidade de drogas. Para especialistas, a decisão do governo federal tem "espírito punitivo” e pode piorar problemas relacionados ao tráfico, como o aumento contínuo da população carcerária e, consequentemente, de pessoas que devem passar às fileiras de facções criminosas.

Na legislação atual, o crime de tráfico tem pena mínima de 5 anos Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

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O texto, publicado nesta quinta-feira, 6, sanciona um projeto de lei de autoria do ex-deputado e hoje ministro da Cidadania, Osmar Terra, mas com uma série de vetos. Um dos artigos recusados previa redução de 1/6 a 2/3 da pena de tráfico de drogas em duas situações diferentes: se fosse réu primário e não participasse de organização criminosa ou se fosse pego em “circunstância” ou quantidade de droga de “menor potencial lesivo”.

Na legislação atual, o crime de tráfico tem pena mínima de 5 anos e, portanto, deve ser cumprida em regime fechado. Se aplicado o atenuante máximo, que acabou vetado por Bolsonaro, o preso poderia até cumprir pena em regime aberto, segundo juristas.

Na justificativa do veto, o governo escreveu que “a propositura se mostra mais benéfica ao agente do crime de tráfico” e que poderia dar “tratamento mais favorável para agentes que não sejam primários, que não tenham bons antecedentes ou que sejam integrantes de organizações criminosas, o que se coloca em descompasso com as finalidades da reprimenda penal.”

Para Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, o governo aposta em “endurecer o combate ao tráfico de drogas”. “A ideia é de que nenhum benefício deve ser concedido, o que revela uma visão punitiva e militarizada”, diz. “Essa política tem sido implantada há anos, sem resultados positivos para a sociedade e sem ao menos fazer cócegas no tráfico. Quando alguém é preso, rapidamente outra pessoa é posta no lugar.”

Segundo Maronna, a sanção da nova lei também não resolve o problema de falta de critério objetivo na hora de a Justiça distinguir quem é usuário de droga (considerado de menor potencial ofensivo) de pequenos, médios ou grandes traficantes (caso em que o crime é equiparado a hediondo). “É uma loteria”, diz. “Diante desse quadro, falar em combate ao tráfico de drogas é fácil. Difícil é reconhecer que lei é um vetor de injustiça e, na prática, representa insegurança jurídica e um campo aberto para todo tipo de arbitrariedade.”

O Estado mostrou que, sem um critério específico na lei, a definição do crime, na prática, é dada pelo delegado de polícia em um primeiro momento. Com isso, pessoas pegas com a mesma quantidade de drogas podem ser indiciadas como traficantes ou usuários a depender de critérios como escolaridade, por exemplo. A reportagem também mostrou que a definição não é consenso no meio e há profissionais que entendem que a pequena quantidade é, na verdade, uma estratégia do crime organizado para minimizar prejuízos.

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“Na minha visão, o espírito dessa lei que foi aprovada é não possibilitar liberdade”, diz a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). “O parágrafo era um benefício que o juiz poderia conceder, se o indivíduo respeitasse determinadas características e demonstrasse não ser perigoso.”

Para Ivana, o endurecimento da legislação deve impactar ainda mais o número de prisões no Brasil, cuja a alta histórica já tem sido puxada por tráfico de drogas, hoje o crime que mais encarcera. “A massa carcerária envolvida com trafico já é gigantesca e vai aumentar muito”, diz a desembargadora. “Ao ingressar na prisão, a pessoa termina sendo obrigada a escolher uma facção criminosa. A partir daquele momento, ele vai ser parte da facção – e não mais da sociedade. É muito triste assistir a tudo isso.”

Segundo dados do Ministério da Justiça, a população carcerária no Brasil dobrou em uma década, saindo de 361 mil em 2005 para 726 mil em 2016. O aumento substancial tem como uma das explicações a explosão de prisão de suspeitos de tráfico de drogas: de 32 mil para 151,7 mil, ou cinco vezes mais, no período.

“O Brasil vive ilusão de que, mudando lei, a gente muda a realidade”, afirma Rafael Alcadipani, professor Adjunto da FGV-EAESP, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ele, a legislação sancionada representa uma tentativa de “solucionar problemas complexos com uma decisão simplória.”

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“O presidente do Brasil vai contrário a tudo que o mundo está fazendo. Se nos Estados Unidos, Canadá e parte da Europa, por exemplo, a tentativa é de regulamentar melhor a questão do mercado da droga, aqui no Brasil está querendo punir o pequeno traficante ou até mesmo o usuário”, diz. “Mas a gente não pode culpar o presidente porque ele foi eleito com essa plataforma.”

Presidente veta aumento de pena mínima a traficantes ligados a organizações criminosas

O presidente também vetou o aumento da pena mínima para traficantes ligados a organizações criminosas. No Congresso, a proposta aprovada previa que a pena seria elevada de 5 para 8 anos. "Esse veto melhorou a lei. Não piorou, nem enfraqueceu. Meu projeto original estava baseado em uma legislação antiga. Com a legislação nova, a organização criminosa tem uma pena maior, então aumenta a pena (de tráfico) e o veto foi adequado porque fica valendo a lei que trata de organização criminosa", disse o ministro Osmar Terra. /COLABOROU JULIA LINDNER

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