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Viagem de 210 mil imigrantes é resgatada

Banco de dados reúne registros de chegada, traduzidos pela 1.ª vez

Por Vitor Hugo Brandalise
Atualização:

Entre 1908 e 1973, os nomes, locais de origem e de destino de cerca de 210 mil imigrantes japoneses foram registrados, em livros feitos com papel washi, de arroz, no Porto de Santos. Escritos em ideogramas japoneses, acabaram esquecidos em alguma estante de museu - com eles, esqueceu-se também a origem dos imigrantes, cujos registros não existiam no alfabeto ocidental. A partir de hoje, com a abertura de um banco de dados desenvolvido em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa, o anonimato ficará para trás - e o passado estará disponível a quem quiser. Os dados foram transcritos por 126 voluntários, sob coordenação da Associação para Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. "Os nomes são a primeira página da história da comunidade japonesa, uma página que não poderia ficar esquecida", afirma Leda Nakabayashi, idealizadora do projeto, chamado Ashiato - do japonês "pegadas", ou "rastros". Na transcrição dos caracteres kanji para o alfabeto ocidental, famílias inteiras de imigrantes se uniram e participaram dos trabalhos. Com idade entre 72 e 80 anos, os irmãos Koji, Yunosuke, Ossao e Kahe Yasaki - todos nascidos em uma família de comerciantes de tecidos no Japão, que veio para o Brasil em 1938 - passaram cerca de um ano trabalhando, sempre nos finais de semana, transcrevendo cerca de 3,5 mil páginas, com os nomes de 14.224 imigrantes, que viajaram em 20 navios até o Porto de Santos. "Somos mais fortes quanto mais conhecemos nossas origens. Por isso, resolvemos ajudar", disse o médico Koji. "Foi uma grande honra poder trabalhar no projeto, ajudar a salvar nossas origens", diz Yunosuke, que, sozinho, transcreveu dados de passageiros de quatro navios. Como os irmãos Yasaki, a maioria dos voluntários na transcrição tinha mais de 70 anos - por causa de reforma ortográfica ocorrida após a 2ª Guerra, havia ideogramas que só eles entendiam. "O maior desafio foi encontrar voluntários que soubessem interpretar os ideogramas. Por isso foi tão importante a participação das pessoas mais idosas", diz Lidia Yamashita, atual coordenadora do projeto. Enquanto transcreviam, os irmãos Yasaki - auxiliados pela mulher de Koji, Edna - perceberam algumas curiosidades, como a quantidade de imigrantes que vieram de Okinawa, província no sul do Japão. "Contei uns 300 em um só navio. Isso é uma forma de indicar as diferenças de nível de vida naquela área do Japão, que tinha economia mais fraca", diz Koji. Até o momento, foram transcritos dados de 322 livros de registros - cada qual para uma viagem Japão-Brasil - que estavam no Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, no bairro da Liberdade, em São Paulo. "Ainda faltam os registros que estão no Memorial do Imigrante e as informações estatísticas. Isso faz parte da próxima etapa do projeto", afirma Leda. Os bancos de dados estarão disponíveis em terminais eletrônicos - apresentados com fotografias da imigração que formam um "castelo de cartas" -, no Espaço de Exposições do Banco Real, na Avenida Paulista, até 18 de julho, na exposição O Japão em Cada Um de Nós. Depois, os terminais ficarão permanentemente no Memorial do Imigrante, na Mooca, e no Museu da Imigração. Também estão na exposição um jardim zen, sobre o qual pendem mais de mil araras de origamis; uma espécie de feira-livre, simbolizando as contribuições dos japoneses para a agricultura, e obras de arte de diferentes escolas, com pinturas de artistas como Kichizaemon Takahashi, Manabu Mabe e Tomie Ohtake. SERVIÇO Espaço de Exposições do Banco Real: Av. Paulista, 1.374. De hoje a 18 de julho. De segunda a sexta, das 9 às 19 horas; sábados, domingos e feriados, das 10 às 18 horas. Entrada franca.

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