Vidas se misturam no abrigo de Blumenau

Famílias dividem pequenos cômodos num galpão abafado e sem janelas

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Por Rodrigo Brancatelli
Atualização:

Os sete anos de casamento do servente André Alexandre Ribeiro, de 37 anos, com a costureira Nilzete Aparecida Neres, de 47. Os 5 anos de vida de Indaiá Ribeiro e os 3 de Audry Ribeiro, completados há duas semanas, desta vez sem festa de aniversário. Brigas, vitórias, conquistas, lições. Momentos de alegria, outros de tristeza. A vida inteira da família resumida em duas malas pretas, uma mochila escolar suja de lama e algumas poucas sacolas de supermercado - absolutamente tudo o que eles conseguiram retirar do sobrado destruído pela avalanche de terra na periferia de Blumenau, há quatro meses. "Nossa vida se limita agora a isso, a esses pedacinhos, essas malas cheias de roupa", diz o servente, que hoje não tem mais do que meia dúzia de camisetas e três pares de calças jeans - uma delas veio de doação. Nem foto do casamento existe mais, muito menos móvel ou eletrodoméstico. André, Nilzete, Indaiá e Audry estão agora entre os 135 moradores de um abrigo de Blumenau, um dos seis abrigos da cidade que continuam servindo de lar para famílias atingidas pelas chuvas em Santa Catarina. Trata-se de galpão abafado e sem janelas, todo dividido em cômodos de madeirite de 25 a 37 metros quadrados, com fios azuis que cortam o teto levando energia aos residentes temporários. Como esses fios de eletricidade, as vidas também se entrecortam, se embaralham, se invadem - ali, em meio aos gritos das crianças e à tristeza dos adultos, a tragédia de novembro do ano passado definitivamente não acabou, e está longe disso. Pelo menos até o fim do ano, quando a Prefeitura espera que as primeiras casas populares estejam finalmente prontas, eles precisarão dividir o banheiro, que às vezes não tem água, os corredores apertados, que mais parecem um labirinto, a cozinha comunitária, as máquinas de lavar e, principalmente, as histórias de superação. "É muito difícil chamar de lar um lugar feio assim, quente para diabos, barulhento, sem privacidade", diz a costureira Cristiane Carolina, de 33 anos, que divide um cômodo com o marido, Jardel Luciano, e com os filhos, João Henrique, Bianca Carolina e Tainara Carolina. Para tentar dar o mínimo de conforto, um alívio nesses momentos difíceis, ela decorou as paredes de madeira com vários ursinhos de pelúcia. "Quando está sol, o calor é insuportável. Fora que você ouve a conversa de todo mundo." No abrigo de Blumenau, famílias até maiores do que a de Cristiane Carolina cabem inexplicavelmente em um colchão de casal. A dificuldade já mostra seus efeitos - segundos assistentes sociais, um terço da população desabrigada já apresenta sintomas de depressão, ansiedade ou problemas com álcool. "Queremos resolver isso, mas há entraves burocráticos que atrapalham todo o processo", diz o prefeito de Blumenau, João Paulo Kleinübing (DEM). "O custo total da reconstrução vale três vezes o nosso orçamento e o dinheiro do governo federal ainda não chegou. Cada casa popular custa R$ 40 mil e precisamos de 5 mil moradias." DESAPARECIDOS Para duas famílias em especial, novembro de 2008 não tem data para acabar. Os bombeiros abandonaram há cerca de um mês as buscas pelos corpos de Larissa Schawanbach, de 11 meses, e Erna Cypriano, de 79, dois extremos da tragédia. Isso obviamente não impediu que o trabalho continuasse a ser feito por voluntários, vizinhos e parentes, uma procura doída pelos entes queridos. "Tudo o que queremos é fazer um funeral", diz Adelírio Cypriano, que, além da mãe, Erna, também perdeu o padrasto. "É um aperto no coração muito grande", completa Juliano Martendal, que frequentemente aluga um trator, coloca garrafas de água e sanduíches dentro de uma mochila das Chiquititas que pertenceu à sua filha Larissa e ruma até o local do soterramento para procurar pelo corpo da menina. "Preciso encontrar nem que seja só um ossinho para poder ter descanso."

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